quinta-feira, 5 de abril de 2012

Cheia de Penas me Deito?

Alguém me disse que a pena é um sentimento que detesta, que não quer sentir. Como se se tratasse de algo indigno, condescendente, sujo e miserável. Fiquei a pensar nisso.

Fui ver ao dicionário, e, uma vez que neste caso claramente não se trata daquela pena que tem uma haste queratinizada e cobre o corpo dos pássaros, escolhi estas definições:

pena |ê| 
(grego poinê, -ês) 
s. f.

2. Grande sofrimento psicológico. = DESGOSTO, DÓ, TRISTEZA
3. Sentimento provocado por sofrimento alheio. = COMPAIXÃO, DÓ, LÁSTIMA

Nada que não soubéssemos já, digo eu. Mas assim sendo, se a pena é aquela capacidade que temos de nos condoer com a situação alheia, não será ela também muitíssimo próxima da empatia?

Quem me ensinou grandes lições de empatia foi a minha mãe, que a cada vez que eu ou os meus irmãos voltávamos da escola, a contar alguma situação do quotidano cruel das crianças, a atitude parva de x, o desconhecimento hilariante de y, o erro idiota de z, nos respondia invariavelmente “Mas já pensaste que xyz não sabe? Que nunca ninguém lhe deve ter explicado, e que com certeza se ficou a sentir muito mal por vocês gozarem todos?”

E nós reagíamos com impaciência. Frustrados na nossa tentativa de provocar o riso com uma historieta lá da escola, e porque aos nossos olhos os colegas não podiam, de repente, assumir o papel de mártire: continuavam a ser os nossos colegas tolos... Eu reagia com um revirar de olhos e um “mã-ãe”, e ficava a pensar. E às vezes tinha pena. (E no dia a seguir tentava ser mais simpática, e a criatura em causa gozava com as minhas roupas alemãs, porque miúdos são miúdos...)

Mas lá está a pena. Não decadente e reles, como uma côdea de pão atirada de má vontade, por vergonha de não dar nada (e agora vou fazer um esforço por não dizer “dourada e quente de amor universal, senão podem me pôr no manicómio), mas de compreensão e carinho por outra criatura. “Before you judge someone, walk a mile in their shoes” - e sem julgar os sapatos, de preferência.

É que a falta de empatia é triste. E não é a boa educação adquirida que a compensa. Posso ser perfeitamente bem-educada, e continuar a ser muito pouco empática. É não perceber quando é que uma piada súbtil está a magoar, apesar de a pessoa se rir. É aquele momento de rispidez que não precisava ser público. É uma palavra ou um gesto leviano. Não precisa ser por mal, basta não... sentir empatia.

Com isto não quero dizer que devíamos andar cheios de lágrimas nos cantos dos olhos a oferecer paninhos quentes uns aos outros. Mas que se calhar ser amigo por vezes significa defender o outro mesmo quando sabemos que ele não tem razão.

Na minha opinião, a pena é um sentimento que nos faz humanos, no sentido mais belo da palavra. (Se é que ainda sobra algum sentido belo). A pena de hoje pode ser o carinho de amanhã, e a palha salvadora depois de amanhã. Não é por nascer de pena que um acto e menos valido. Já todos fomos, em alturas diferentes da nossa vida, destinatários e emissores de pena, nem sempre fundamentada, talvez, mas isso não nos faz desprezíveis ou fracos, mas sim importantes.

Pobre aquele que não tem ninguém que se condoa com ele. Há que saber é como materializá-la. Não queremos criar desgraçadinhos, e mais vale ensinar a pescar do que dar um peixe, mas ainda que isso seja verdade, há dias em que nada sabe melhor do que chegar a casa e ter um peixe na mesa – e logo podemos ir pescar no dia a seguir.