Quem conhece a minha casa, lembrar-se-á que não é uma casa
convencional, é um self-made-residence que tem mais de alternativo e bom carma
do que tem de arrumação e funcionalidade... Uma das particularidades é que tem
cerca de 7 portas que dão acesso ao exterior, e por todas elas entra e sai
bicharada encardida, até galinhas confusas, por vezes.
E uma dessas portas permite um acesso privativo ao meu
quarto, que pode ser utilizado para vários fins, seja para fazer entrar pessoas
ou animais das quais a minha família não imagina que frequentam o meu quarto,
seja para simplesmente não ter de passar pelas portas dos meus membros
familiares quando esses praticam o sleep
e trago amigas no limiar do vómito etilicamente induzido.
A referida porta é muito bucólica, dando para um pequeno
relvado, com uns degraus de madeira (escorregadias armadilhas para amigas nas
anteriormente referidas condições), uma espécie de um arco que liga uma
oliveira centenária (ou vá, pluridecanária pelo menos) ao telhado, e que dá
apoio a uma roseira trepadeira. E àquela outra trepadeira dos infernos que
cobre tudo com verde e flores azuis mas que depois é anual e faz umas massas de
vegetação acastanhadas e feias quando retira por motivos de hibernação.
Há, ainda, mais algumas roseiras, e uma vedaçãozinha que tem
dois propósitos: impedir alguém de fazer alguma coisa no relvado (não se sabe
bem o quê), e fazer-me tropeçar. Mas essa eu sei exactamente onde está, logo
não tem problema nenhum.
Ontem à noite estava bastante frio, e senti as minhas
orelhas geladas, pelo que decidi festejar um revival de uma antiga tradição transversa às culturas europeias: o
gorro de noite, nightcap (sem
álcool), schlafmütze, bonnet de nuit, enfim, compreendem, né.
Fui à gaveta dos gorros, e encontrei duas opções (as outras tinham ido comigo
para a neve e ainda não tinham voltado à gaveta): um gorro preto de fibra
polar, apertado, que me fazia parecer um pene
com necessidade de circumcização célere por motivos de necrose auricular, e um
gorro de pai Natal, larguinho e muito confortável.
“S’a lixe!” – Pensei. Também não é como se alguém fosse
descobrir que não durmo com uma camisa de noite branca com rendas no regaço, de
forma que o gorro de pai natal não
estraga nada o ensemble geral.
Coloquei-o, e, ensonada, ao fazer o percurso por baixo debaixo
das românticas roseiras, pelo caminho de relva, com as pantufas mal-enfiadas (a
pisar a parte de trás, porque é só para meia dúzia de passos) vi-me num nightmare after christmas que
ultrapassava tudo o que alguma vez vivi na completa escuridão. (Sim, tudo!).
Tropecei num buraco, e ao dar dois passos cambaleantes em
frente, salta-me uma pantufa. “Raios, vou molhar a meia,” pensei, antes de tudo
piorar e eu não só molhar a meia (check!) mas também pisar uma p*ta de uma
roseira cortada que me perfurou a planta do pé em vários sítios (senti os
estalinhos dos espinhos a passarem a epiderme e a irem até onde conseguiam) (e
foi mais fundo do que se imagina).
Quis reestabelecer o equilíbrio, mas não
sabia da pantufa, e a segunda perna tinha agarrado uma grande quantidade de
roseira que me abraçava com mais intensidade do que alguém alguma vez me tinha
abraçado naquele local.
Preguei dois pulinhos a pécoxinho e enrolei-me na
vedação (aquela que eu felizmente sabia exactamente onde estava mas qual me
tinha esquecido) , fiz marcha atrás, caí num segundo buraco (roguei pragas à
minha mãe e à m*rda do transplante e poda de roseiras), quase perdi a segunda
pantufa, sempre com o pompom do gorro a agitar-se furiosamente em cima da minha
cabeça, descrevendo círculos e movimentos pendulares, e, finalmente, nem sei
bem como, consegui sair dali. Muito acordada, com os pés molhados, as pernas
arranhadas, vários furos a escorrer sangue na planta do pé, e espinhos de
roseira partidos que eu só viria a encontrar muito mais tarde, nas calças do
pijama.
Boa noite amiguinhos. Viver no campo é tão revigorante.