E assim abrimos o nosso mais ou menos organizado diário do
nosso estágio de verão no Badoca Safari Parque, edição 2013...
Dia 26 Agosto 2013
Recém chegados à nossa aventura das próximas 3 semanas, lá
nos estabelecemos na fantástica casa do Hélder, que só tem mesmo um senão: o
Hélder, que é um simpático, mas extremamente arrumado e meticuloso tratador do
Badoca, que – coitado – nem sabe onde se meteu quando concordou em albergar
estas encantadoras estagiárias, de aspecto arrumado e civilizado, que em nada
deixa adivinhar a desarrumação e sujidade que são capazes de deixar por onde
passam. A nossa maior preocupação neste momento é descobrir como vamos retirar
todos os restícios de plumas Percianas e pêlos Winstonianos (e alguns da
Jess) dos cantinhos todos desta royal
residência, para não deixar ruim impressão. Okay, também nos preocupa o nosso
percurso académico e o facto de faltarmos à primeira semana de aulas, mas
primordialmente é isto.
Depositada a menagerie, seguimos para o parque, onde
conhecemos algum do Staff, e, claro, o nosso Senhor Doutor J....ah...Doutor...o
nosso João, que depressa nos esclareceu da necessidade de o tutuar, uma ordem
que à Paulinha custou horrores a cumprir, e que até para as outras 3 não foi
fácil, pelo facto de nos encontrarmos quase corcundas de admiração e
intimidação. Afinal, eis um homem que atira dardinhos com substâncias de
potencial extremamente mortífero às arredondadas nádegas de animaizinhos que
nada suspeitam – é caso para dizer: quem tem c*, tem medo!
Choviam nomes! E nem todos são tão fáceis de decorar como o
do Marcos, que não precisa de fazer dieta porque tem uns lindos olhos azuis
(palavras do próprio), do Rui, also known as “Ico”, que é tão hiperactivo
quanto javalizinho do mesmo nome, ou do Tiago, o muy bem falante a charmoso
baby-sitter com a paciência (quase) infinita (ainda estamos a testá-la!).
Os ruminantes têm, na sua grande maioria, 2 chifres, mas,
bolas! Quais é que eram os citatungas, quais os spring bocks, quais os
eeeelronds ou lá o que era? E os loris eram mamíferos ou primatas? Não havia
uns loris com olhos grandes que vivem em troncos? Búfalos, muflões, gamos,
veados, uns turacos à mistura, mas esses eram aves ou será que não?) gnus daqui
e dali e de cauda branca, dromedários que são da zona da Arábia ou da Mongólia
se tiverem duas bossas e forem camelos....fuuuu...nem sabíamos o quão
ignorantes éramos! Foi muito bom reconhecer umas zebras, e de resto algumas
personagens do rei leão, apesar de eu passar a vida a mandar calar as restantes
criaturas que, quais criancinhas de 6 anos, enxovalhavam a dignidade do nosso
curso exclamando: “É o Timon!! É o Pumba! É o Rafiki!” (quem escreve pode enxovalhar
a dignidade dos restantes, é um privilégio artístico. O pior é se a fotógrafa
tem o privilégio de publicar fotos minhas a ser cuspida por uma lama, como
vingança....)
E encontrámos um velho conhecido: O nosso Francisco açoreano,
uma excelente adição à equipa eborense, uma vez que agora podíamos contar com a
força bruta de um homem conhecido, ao qual não nos sentimos inibidas de pedir
ajuda ou fazer perguntas. Por esta altura já tinhamos sido apelidadas como
“Equipa da Barbie” por um dos tratadores , uma denominação pouco lisonjeante
para os dois lados: para mim, que não sou uma boneca fútil e oxigenada, e para
o resto das meninas, que não são minhas súbditas...FUNF!
À hora do almoço tivemos a sorte de poder comer na fila dos
“clientes”, em vez de na do staff, o que aparentemente é muito bom, uma vez que
a comida do staff parece não ser adaptada às necessidades nutricionais do homo
sapiens, o que de resto provoca algum mau bem-estar animal na população desta
espécie, e até brigas, por vezes.
Depois do almoço seguimos para o safari, para procurar o
sítio na vedação por onde os javalis, uma cambada alegre de cabeçudos suínos
com vários riscadinhos muito engraçados, tinha saído para ir incomodar o bom
funcionamento do show dos lémures, que se refugiaram nas árvores e se recusaram
a descer perante tão inesperada aparição. Pelo caminho, para além de buracos
encontrámos também alguns ovos de avestruz, que teriam a capacidade de
explodir, caso tivessem uma acumulação de gás suficiente no seu interior, um prospecto
hilariante, pelo menos na perspectiva de não ser eu o alvo receptor de tal
explosão. Acabámos por levar um ovo, e, sob alguns sons de ânsia (GAAAWK) dele
extraír um pinto em decomposição, para então proceder à elaboração de algo tão
artístico quanto os candeeiros-ovo que existem em casa do Hélder. Efectivamente
tal ainda não sucedeu, pois o que ainda
não conseguimos extraír foi a totalidade do cheiro nauseanbundo e das
membranas ovígeras da nossa matéria prima, que neste momento se encontra, cheia
de água, a fermentar encostada à parede da clínica. Já voltamos a este
projecto!
Seguiu-se a vacinação e desparasitação de alguns pastores
alemães que também existem no parque, que nos deu hipótese de por em prática
tudo o que já aprendemos, desde tentar furar as tampas dos frasquinhos das
vacinas, até inocolarmo-nos a nos mesmas com as seringas, mostrámos bem o que
valemos, e que não nos podem dar etorfina para as unhas, sob pena de nos
executarmos umas às outras imediatamente... mas mostrámos também à vontade na
contenção dos canídeos, e boa capacidade de introdução de comprimidos na goela
dos mesmos.
Como ainda não estávamos suficientemente rotas e estafadas,
ficámos para a caça nocturna da avestruz, uma saída invulgar, à luz das
estrelas, com a finalidade de capturar várias destas imponentes criaturas
aladas que deveriam seguir, na manhã seguinte, para uma quinta de produção de
penas que são exportadas para o Brasil. Para adornar os bumbums das sambadoiras
boazudas, presumivelmente.
Não tínhamos a mínima noção de quão depressa correm estas
princesas pernudas, nem de quanta força têm, e seguiram-se horas de
perseguições furiosas, de jipe, entre as árvores e pala várzea, no encalço das
nossas presas. A dada altura falhámos uma árvore por escassos 10 cm e noutra
aflorámos levemente um destes velozes passarinhos, de forma a que ela
acelerasse ainda mais e o jipe nunca mais fosse o mesmo. A porta só voltou a
abrir depois de ir ao bate-chapas. Já a ave, nem ai nem piu.
A banda sonora desta romântica aventura selvagem foram os
roncos de alguma espécie de ruminante (FONC-FONC) alguns cantos de Gnu, as
cigarras, e o vocabulário incrivelmente colorido do nosso Ico, cuja energía
invejável parece provir, em boa parte, de uma propulsão verbal sob forma de
cara*hadas sonoras, que reverberam entre os eucalíptos até uma distância em que
já não se ouve o barulho do jipe, e mal se avista os faróis...!
Entretanto, no meio da confusão, obtive a resposta prática à
pergunta “Acontece alguém caír da carrinha?” sob a forma de uma curva apertada,
que, numa nuvem de pó, e acompanhada de um guincho paniquento da Paula, custou
o equilíbrio à Ana Lurdes (e quase à Paula também, não a tivesse eu agarrado
que nem um chimpanzé), projectando-a quase para o meio do bailhinho de forcados
amadores de avestruzes, que se agitavam à volta e em cima de um exemplar
particularmente reticente à captura. “E não é que as p*tas deram em morder?!”
exclamava o Ico, com os dedos enfiados no bico da vítima, parcamente
imobilizada pelo peso conjunto do Francisco e do Marcos.
A dada altura ficámos sozinhas no tractor, a sentir-nos
maravilhosamente selvagens, no meio de uma manada de búfalos híbridos
(africanos cruzados com asiáticos) que apesar de terem um aspecto assustador e
um caparro que daria para virar um jipe, são animais surpreendentemente meigos e
afáveis, com umas línguas roxas e compridas com que babam tudo o que lhes passa
pela frente.
Ao fim de algum tempo, apercebemo-nos de uma coisa: Aquilo
era decerto uma praxe!! Com certeza que os rangers do parque levavam para ali
as estagiárias para então as abandonarem e irem beber minis no bar do parque,
fazendo apostas até quando as desgraçadas ficariam no meio do safari à espera!
Quase os ouvíamos: “Hahahaha, devem estar borradas, lembras-te das últimas, que
só saíram de lá às 4h da manhã?!” O-ho, mas não connosco! Estávamos prontas
para tentar ligar o tractor, que não tinha luz, e fazer um cross-country por
cima de todas as vedações eléctricas até ao portão do parque, mas o facto de
nenhuma de nós saber conduzir um tractor abrandou-nos o suficiente para dar
tempo aos caçadores de avestruzes de voltarem e nos perguntarem se achávamos
que eles eram malucos, e que nunca fariam uma praxe dessas, até porque era
perigoso... Tudo bem, mas mantenho que comer aqueles Maltesers gigantes que nos poderiam ter trazido do paddock dos
dromedários também teria sido perigoso...
Apanhada a última avestruz, sem o gancho de enfiar no
pescoço, mas numa espectacular captura do João, que a agarrou pelo pescoço em
plena corrida, e enfiada no estábulo correcto, não sem levar um cachação no seu
impertinente pescoço, quando tentou fintar o Ico, estávamos prontinhas para ir
ara casa...No dia seguinte começaríamos às 8 da manhã! Chutos&Pontapés em
Grândola ardeu, como é óbvio.
Dia 27 terça
Mas se pensávamos que apanhar era a parte mais difícil
estávamos enganadas, carregar avestruzes também não é pêra doce! O implacável
Ico com o seu gancho supersónico entrava no interior do estábulo no qual
tínhamos isolado uma das pernilongas, e sob influência de adrenalina e alguma
loucura natural, enganchava-a, para então lhe segurar o bico, provavelmente
rezando para que um pontapé bem aplicado não lhe pusesse as entranhas ao
descoberto... Sob pena de ser remendado por um veterinário e alguns proto-vets,
e de possivelmente nunca mais ser o mesmo. ( E isto já depois de uma travagem
imediata de um condutor deveras obediente à ordem PÁRA! o lançar contra os
taipais da carrinha com as partes baixas)
Assim dava tempo para lhes tapar olhos e entrar o swat-team constituido por mais dois
homens (João e Francisco) que imobilizavam as asas e a arrumavam no reboque de
cavalos de marcha atrás, entre cangochas e dentadas. Quem dava as cangochas e
dentadas era a ave, obviamente, não o João e o Francisco. As estagiárias
relatavam os acontecimentos para a câmara, empatavam o caminho, invejavam a
acção e conversavam alto demais, enquanto isso. Mas também tiravam algum
sangue, quando se concentravam. Houve igualmente uma boa quantidade de apalpões
e palmadas em rabos, mas mais uma vez isso não nos envolveu a nós mas somente
aos homens, sendo o Ico o principal receptor.
O resto do dia foi m*rda...literalmente! Era preciso limpar
as ilhas dos primatas, e deixem-me que vos diga, os primatas são muito muito
porcos. Esmagar, pisar, esfatachar c*gar em cima de tudo o que se lhes dá de
comer, coprografiti, diarreia nas paredes, name it, they do it! É um cenário de
destruição e emporcalhice que aponta para hábitos nómadas (depois de nós o
dilúvio) que nós temos de recriar através de uma limpeza cuidadosa com
mangueiradas na totalidade das instalações, bastante lixívia e uma boa dose de
humor, pois se os pequenos desafios são equilibrar as folhas de couve com cocó
que acabámos de retirar do esgoto, os grandes são não ficar com a farda tipo
dálmata da lixívia e não encharcar por completo o nosso parceiro de rodo ou
vassoura – já não falo nos pés, esses, quando calçados de ténis,
inevitavelmente ficam a fazer chloc chloc,
e com uma boa base para um creme de lama, em contacto com o abundante pó, uma
criação que pode depois ser complementada por uns salpicos de praganas e picos
de feno, para maior sofisticação individual e um toque irreverente. Obviamente
nós fizemos isso tudo, com destaque para o pó integral. Ninguém estagia no badoca,
no verão, sem saber o que é RANHO PRETOOOOO!
Seguindo para as girafas, zebras e avestruzes, em todo o
lado o lema do parque é o mesmo: Levar a menor quantidade de terra possível!
Nas instalações dos animais cumpri, sou um génio do ancinho, e não nos apetecia
mais uma tonelada de matéria no carrinho de mão, mas, como também tenho a minha
costela de revolucionária, desafiei o lema levando uma grande quantidade de
terra nas orelhas e outros locais pouco acessíveis. Tomem! Não mandam em mim!
Terça-feira é dia de chegar a fruta, e como o parque tem um
plano muito inteligente de aproveitamento de fruta de grandes superfícies
comerciais – as sobras, as peças de fruta que os clientes põe em sacos e depois,
por alguma razão, escondem no corredor das lâmpadas, os restos das caixas, as
amolgadas e furadas, etc – há sempre uma grande quantidade de fruta para
arrumar e separar, uma tarefa que nos coube a nós.
Quero ressaltar que a Jess detesta fruta: devido a traumas
de infância mal ultrapassados (Tens de comer a fruuuuta, Jéssica Sofiiiia!) (eu
sei que é sem acento), fruta para ela é mau, andamos a fazer uma
dessensibilização cuidadosa, e já são tolerados morangos, melancia e
eventualmente um gomo de laranja, e agora estragaram-me o trabalho todo com um flooding de fruta podre que a deixou
pálida e tremelicas... A mim transcende-me, não consigo achar uma fruta ou um
vegetal nojento, por muito podre que esteja, exceptuando talvez a batata e a
cebola, que têm um potencial vil, e vá, couves, mas ao que parece ver me espetar
o dedo numa pera com uma circunferência putrefacta, e remover o conteúdo com um
shhhhglitch bem aplicado foi quase
estomacalmente doloroso...
Já digo, mil vezes fruta podre que distribuir feno sem
forquilha, ao palhaço, simão e colegas, com mais ou menos vírgulas, na
quintinha, pois aquele feno tinha agentes urticariosos da pior espécie...
Fomos para casa encardidas, cobertas de pó, com as peúgas a
picar em cerca de 15 sítios diferentes, mas todos eles onde os nossos dedos não
chegavam, e na praia estava frio...
Dia 28
A pior altura do dia é acordar de manhã, pois há aqueles 10
minutos em que nos questionamos porque é que nos metemos num estágio de Verão
que nos ocupa as últimas 3 semanas de sol e férias, que nos esgota fisicamente,
nos deixa sem tempo, nos enche de trampa, e nos faz acordar com um sono
infernal... Para ir distribuir uma quantidade surpreendente de comida, sementes,
fruta, pózinhos de néctar dissolvidos em água, pintos decapitados, peixes
mal-cheirosos e verdura picada por um aviário inteiro cheio de inquilinos com
nomes difíceis e hábitos ainda mais difíceis.
Os turacos tem um bico pequeno,
logo é preciso fruta muito pequenina (menos quando se trata de engolir uvas
inteiras, aí as pequenas bestas de repente abrem uma goela gigante! Bem os vi!)
as araras pegam com o pé, logo os pedaços têm de ser grandes, as cockaburras só
comem as cabeças, asas e patas (ou não, ainda estou a discutir isso,
eventualmente também comem pintos esfolados, mas esses ao que parece também são
comidos pelas formigas, mas enfim, isto é outra história) (Né?!!)
Os histéricos
dos ibis comem o resto dos pintos, ou peixe, quando páram de se atirar contra
as grades, os calaus têm bicos gigantes mas também são frutívoros, e precisam
de fruta com muita água, porque não a consomem do bebedouro (ou isto são os
turacos...oh céus!) a tartaruga quer a verdura mesmo ao pé do focinho, os loris
bebem néctar mas até dão conta dos pedaços maiores porque têm bicos curvos
valentes, e as fracas são os mesmos extraterrestres de sempre: Carác-carác-carác!
Mas tudo vale a pena quando ouvimos que vamos anestesiar
gamos! É preciso ir no jipe (o que dá um ar deveras profissional, uma vez que
temos todas t-shirts do parque, beges, e ninguém sabe que estamos cá há poucos
dias, por vezes até nos fazem perguntas, e nós respondemos com um ar muito
entendido onde é a ilha dos primatas. Ainda por cima eu apanhei a única t-shirt
que é minúscula e não parece um saco de batatas, o que me deixa francamente
feliz, ainda que a Ana Lurdes afirme que sou uma *imaginar gesto e andar
afectado, tipo louva-a-deus aqui* com uma t-shirt pequena demais para mim.
Aproximamo-nos dos grupos de animais no safari, e o João
anestesia-os com um dardo com uma mistura de ketamina-medetomidina-butorfanol,
- vou vos poupar os pormenores farmacêuticos e a constituição do dardo, que é
atirado com uma espingarda própria e despeja quando, ao entrar na pele, uma
pequena anilha de borracha que escorrega para trás liberta um furo na agulha –
depois não tiramos os olhos de cima do animal, e uns 5 min mais tarde ele cai,
é recolhido, e depois de tirado sangue na jugular, desparasitado e suplementado
com vitaminina E e selénio injectável, acordado com atimamezol e armazenado num
estábulo à parte.
Os filetes pescada com arroz uncle bens (daquele que é
soltinho, mas é nojento na mesma, e não sabemos explicar bem porquê, se calhar
porque é de uma saqueta de microondas...ou então é parboiled... nherk) também
não foram maus e seguiu-se mais alguma limpeza de jaulas de macacos e escolha
de frutas.
Os babuínos e mandris são nojentos, mas verdadeiramente
assustadores são os chimpanzés, são uma família feliz de 3, papá Jonas, mamã Ema
e filhota Flor, havia mais duas meninas, mas elas não sobreviveram ao Jonas,
tal como uma outra juvenil que, depois de rejeitada pela mãe e criada à mão ao
tentar interagir com o pater famílias ficou sem um braço e teve de ser
eutanasiada. Charming, hey?
No tempo em que os estive a observar de uma
distância segura a fêmea cuspiu-me várias vezes, foi, inclusivé, buscar água
para cuspir mais quantidade, a bebé tentou roubar o leatherman do João (e quase conseguiu) (não sei o que se seguiria,
desmontagem da jaula e domínio do mundo, provavelmente) e o Jonas fez um tal
espectáculo de demonstração de força, com bater os pés e saltar contra as
grades que de facto fiquei muito intimidada...encontrar-me com ele sem grades
no meio transformou-se num novo pesadelo meu.
Finalizámos o dia com a limpeza do aviário, que dá pano para
mangas, mas uma coisa que é boa é que ninguém nos trata como reles limpadores,
se estivermos a limpar, está sempre um tratador a limpar connosco, desta vez o
Marcos, que não só tem uns bonitos olhos azuis como ainda nos informou que
gosta bastante de esfregar e esfregou incansavelmente os bebedouros, ainda que
estivessem todos partidos no topo, não mantendo o vácuo... Mas enfim, o lixo do
ecoponto amarelo também se quer limpinho!
Dia 29 Agosto, Quinta-feira
Se não tivéssemos enchido tanto a boca ontem, a afirmar que
já sabíamos tratar de todos os bichos no aviário, provavelmente teríamos tido
mais lata para perguntar as milhentas coisas que ainda precisávamos de
clarificar, mas a nossa ufanice, juntamente com o facto de não termos chegado
às horas necessárias, deixou-nos um pouco culpadas e bolinha-baixa... Nem todas
as tartarugas foram alimentadas, e os íbis só comeram metade do que teriam
gostado de comer, mas, e daí, também a maior parte de nós sente isso todos os
dias...
Seguiu-se o filme Captura de gamos – a saga continua, com
uma colheita de 2 machos e duas fêmeas, sendo que perdemos uma delas de vista e
andámos a procurá-la um bom bocado. Eu passei por ela sem a ver (shame on me)
mas em compensação encontrei umas hastes de veado com um pedaço de crânio
agarrado, as quais irei alegremente usar para qualquer coisa foleira, tipo
colá-las à parte da frente da Zoey, se em tal me ajudar o engenho e a arte. Ou
então não, que são capazes de mas roubar. A Zoey, para quem não sabe, é a minha
carrinha. Agora por carrinha: a nossa qualidade de vida aumentou exponencialmente
com a colocação de um banco na carrinha. Agora viajamos em grande estilo E
grande conforto. Um obrigado ao Sr.Zé Pires!
O almoço foi carne assada e arroz com batatas e salada, o
que foi bom, e o Zebro com o golpe na pata, do qual ainda não falei, mas que
está suturado e a tomar antibiótico, melhorou imenso com a alteração do antibiótico.
Ficámos sozinhas a limpar o zebral, após prometermos muito cuidado, e ainda
assim o Tiago materializou-nos uma zebra maluca, que entrou pela porta da
estrumeira, e que tivemos de enxotar numa acção conjunta, não fosse alguém
acusar-nos de incompetência na invasão zebril...
Feito isto, dividimo-nos em dois grupos, a Jess, como mulher
de aves que é, foi com o João fazer um
raio x à pata do turaco coxo (ou devo dizer, claudicante), que ainda estava
fracturada, e as restantes fomos ver o show de aves de rapina, das 16h, que
tinha umas quantas personagens muito interessantes, tenho de ir verificar
nomes... e aprender como tirar a pele a pintos, antes que a Sylvie me tire a
minha...
Dia 30 Agosto, sexta-feira
Se hoje nos sentimos profissionais a tratar das aves, tal
sensação não vai durar muito, pois amanhã receberemos ordens escritas da Sylvie
de como os alimentar correctamente, e
creio que não haverá abébias para a substituição de mistura para aves de
capoeira por bolinhas dos flamingos e verduras...
Seguiu-se uma intervenção veterinária deveras interessante,
que passou por anestesiar um jovem búfalo que apresentava uma tumefacção na
zona da tiróide, com suspeita de abcesso. O rapazinho foi deitado abaixo com um
cocktail de fentanyl, um opióide sintético 10 vezes mais potente que a morfina,
uma vez que não havia etorfina suficiente e a que havia teria de ficar para uma
eventual emergência nas zebras, que curiosamente são fentanyl resistentes.
Levámos também butorfanol que ajudaria no caso de haver uma
depressão respiratória notória uma vez que ele é um antagonista dos miu e agonista
dos kappa, contrariando alguns dos efeitos adversos dos receptores miu, ao
mesmo tempo que o superficializa. Como o primeiro dardo não despejou por
completo, e a anestesia não foi a desejada, foi necessário aumentar a
profundidade – o que inviabilizava o butorfanol, de imediato, para aumento da
frequência respiratória, pelo que este efeito foi conseguido através da
utilização de doxapram.
Acrescentou-se, portanto, alguma ketamina e medetomidina,
intramuscularmente. Como revertores, usou-se a naltrexona para o fentanyl e a
azaperona para a medetomidina. Para além da anestesia e do microchip ainda foi
administrado selénio e vitamina E e uma penicilina, um dos únicos
antimicrobianos que efectivamente consegue penetrar uma cápsula de um abcesso e
ter algum efeito sobre ele.
A cirurgia em si passou pela incisão da tumefacção, após uma
punção ter revelado um conteúdo de pús cor de maionese, que nos deu acesso,
após alguma escarafunchação até profundidade surpreendente, a uma bela
quantidade de pús de cheiro pouco agradável, mas não demasiado pestilento, e
coloração maionese+ketchup. Algum foi espremido, o restante lavado com
repetidas seringadelas de água com clorexidina, ficando uma janela aberta no
fim, com um dreno de borracha suturado à pele, para evitar que a incisão
fechasse, e permitir a purga continuada.
Nós, estagiárias orgulhosas, esprememos, seringámos, tirámos
as constantes vitais, espetámo-nos com mais seringas (felizmente sem etorfina)
enxotámos os outros búfalos, enfim, estávamos nas sete quintas...creio que até
enojámos os profissionais, com o nosso interesse mórbido pelo pús em toda a sua
consistência e com todas as suas características físicas, incluindo o odor.
Almoço: Solha com arroz e salada
Eu perco-me com os primatas...a alimentação dos babuínos é
de ir às lágrimas, uma vez que eles são um bando muito vivo, no qual há sempre
algo para observar. Uma das fêmeas tem uma cria pequena, de aspecto bastante
pelado e frágil, que no início da alimentação é incerimoniosamente colhida da
maminha da mãe pela própria, e depositada no chão (“Deixa-me comer, gaiato d’um
c*brão!”) onde fica, primeiro com um ar miserável e encolhido, mas depois
começa a enfiar o seu engraçado nariz puerilmente arrebitado em tudo quanto é
comida. Mas a felicidade de ter encontrado um pêssego que chupar é de pouca
dura, uma vez que o macho dominante não concorda que a sua prole ande ali ao
Deus dará, e prontamente o pega por uma qualquer extremidade para o atirar na
direcção da progenitora, num arco elegante, um “à rojo” como se diz em bom
alentejano. Portanto, o pobrezito não está bem nem aqui, nem acolá, mas eu, que
ignorava as preocupações paternas dos babuínos, continuo fascinada...
Um momento em que me continuo a sentir como uma menina
pequenina é quando as girafas se aproximam da carrinha de caixa aberta em que
percorremos o safari, com os nossos baldes e sacas de ração.
Obviamente todos os animais a associam a comida, mas quando as
três girafas de Rothschild, dois machos e uma fêmea que esperamos muito que
esteja grávida (os testes aos níveis de progesterona nas fezes, feitos em
França, confirmam-no com uma certeza de 70%)
vêm até mesmo ao pé de nós, baixam os seus incrivelmente sáureos
pescoços, e ficamos com uma cabeça do tamanho de um Winstinho (medida de
tamanho e peso universal) mesmo colada à nossa...é indescritível. Sinto-me uma
cabeça de ervilha. (Ou devo dizer: portadora de leguminosocefalia?) São
incrivelmente belas e apesar de poderem ser histéricas e dar coices mortíferos
ou cabeçadas de rachar o crânio, emanam uma meiguice e inocência que me faz
compreender o carinho com que o João fala delas. Têm olhos enormes e
pestanudos, e aceitam pellets de ração com a sua língua de enguia ágil.
Os dromedários também são muito grandes, muito maiores que
cavalos, talvez daí a denominação de “barcos do deserto”, mas parecem mais
peluches gigantes e simpáticos, não inspiram a mesma admiração respeitosa que
as girafas. São do meu top 5 de animais que me fazem exercer muito autocontrolo
para não os tentar abraçar ou pegar muito mais do que eles gostam. Os
vencedores são os lémures, claro...com aquelas mãozinhas pretas é mesmo muito
difícil não os abarbatanar e apertar!
Já os tigres nunca hão de ser dos meus favoritos, sei que
são o animal de sonho de muitos protovets, e reconheço-lhes uma beleza selvagem
inigualável, mas ao mesmo tempo parece-me sempre que não deviam estar ali... O
tratamento deles está associado a regras de segurança apertadas, como é óbvio,
e ainda assim à hora da alimentação, quando os oiço rugir em frente das grades,
enquanto acabamos de preparar a carne com os 3 comprimidos de amlodipina, um
bloqueador dos canais de cálcio (vasodilatador, por inibir a contracção
muscular também a este nível) que consequentemente são anti-hipertensores, para
o macho, que tem problemas renais, provocam um pânico visceral, irracional e...esperem,
há outra palavra: atavístico
.
Dia 1
Infelizmente as badalhocas no badoca não conseguem manter um
diário coeso, de modo que, tudo o que me lembro deste dia, é que conheci os
coatis, que são pequenos mamíferos parentes narigudos dos guaxinins, que comem
fruta e carne (pintos, codornizes, etc), menos uma fêmea, que é vegetariana.
São muito engraçados, e fui lá com o Ricardo, que é o namorado da Sylvie.
Dia 2
Chegou uma estagiária nova, uma miúda de zootecnia, de
évora, cuja cara não nos era estranha. A Jess prontamente descobriu que ela se
chamava Débora, e assim pude fazer um brilharete logo assim que a vi, chamando-a
alegremente pelo nome. A partir daí, usei-o mais várias vezes, até ela me
informar de que se chama, na verdade, Soraia, e que não faz ideia quem seja a
Débora. Caso para dizer: perdi uma belíssima oportunidade de manter a minha
grande boca fechada. Como já dizia o charmoso Marcos: “Quando???” e à minha
inocente pergunta de retorno “Quando é que o quê?” replicou “Quando é que te
CALAS?”. Bem, guys, nós todos sabemos que a resposta a isso é “Quase nunca,
efectivamente, quase nunca.”.
Posto isto, tenho lacunas de memória neste dia.
Mas sei que o acabei com o Ricardo, a tratar dos primatas, o
que me deu oportunidade de ficar a observá-los imenso tempo, uma vez que o
Ricardo, apesar de os conhecer muito bem, e de ter um notório carinho por eles,
não se parecer importar nada que eu ficasse uma boa hora a observar estes meus
parentes.
Acho que estou quase a ser aceite pela Ema, a chimpanzéia,
que consegue cuspir certeiramente às pessoas de quem não gosta. Agachada
aparentemente não sou tão intimidadora, e o Ricardo pôs-se à minha frente uma
vez, e ralhou um pouco com ela, quando ela quis cuspir, acho que com paciência
vamos lá. Ao fim de estarmos há algum tempo a interagir com a Ema e a Flor, o
Jonas amuou, foi-se enrolar a um canto, e parecia um velho rezingão a mandar o
mulherio calar-se com sons de protesto.
O babuíno bebé, que continua pálido e pelado, e tem uma
barbicha tipo “mosca” no queixo, para além de ter só uma sobrancelha, faz me
lembrar alguém, mas não me ocorre quem. Hoje foi apanhado por um jovem
hooligan, que, num súbito acesso de sentimentos paternais ou quiçá pedófilos, o
agarrou pela cauda, e andava para todo o lado com ele. Enquanto o arrastava, o
pequeno chiava terrivelmente (embora não devesse haver perigo, uma vez que mãe
nem se ralava), quando o outro afrouxava, lá havia tempo de comer uns grãos de
arroz, e intermitentemente chamava baixinho pela mãe. Só me consegui vir embora
quando o vi são e salvo de volta às maminhas chupadas da progenitora, o que fez
com que a restante equipa eborense tivesse de apanhar um secósio dos demónios à
minha espera.
Dia 3 de Setembro
Ao tratar das aves, aproveitámos para filmar a guerra fria
que se continua a desenvolver entre “os gruas” e “o funcionário Jéssica”. Uma dia alguém
vai ser atacado pelas costas e levar asadas no focinho e ser gripado “pelos
lábia”, e espero não ser eu... Procedemos também à contagem dos inquilinos, e
já conseguimos, proeficientemente, identificar melros metálicos, estorninhos
tricolores, loris, e até os turacos piscatoris, agora entre os t.leucotis, os
t.persas e os t.híbridos...vai lá vai...!
Continuámos a anestesiar gamos, mais 4, com um
profissionalismo que rasava o desinteresse, profissionalismo este que
definitivamente me faltou quando fui incumbida de abrir a jaula de uma das
fêmeas tigre (diz-se tigresas?! Só me faz lembrar peruas humanas com unhas de
gel daqui a alcácer e tops de leopardo...) e prontamente, muy ocupada com a
abertura correcta dos ganchinhos e alavancas, cujo funcionamento já me tinha
sido explicado, e que eu sabia fazer muito bem, libertei a gata gigante pela
porta completamente errada. Felizmente não há uma porta que dê para a
liberdade, ou para o sítio onde as estagiárias estúpidas aguardam, mas somente
uma saída para uma jaula adicional de tamanho mais pequeno. Mas não deixou de
ser um abre-olhos do potencial destrutivo que uma pessoa tem. Não admira que
não confiem em nós nem um cadinho...
Após um almoço mais uma vez muito aceitável (acho que era
carne assada) fomos em peregrinação depositar o requerimento ao Presidente da
FMV aos correios, na esperança de me conseguir meter no mestrado em Lisboa.
Os correios estavam fechados e só abriam às 14h, o que nos
atrasou, e possivelmente despoletou a atribuição cruel de trabalho escravo na
ilha dos primatas. Apanhar ervas daninhas arrancadas, mas sem instrumentos!
Isto para ficarmos com brotoeja em tutti il corpi, transpiradas, vermelhas, e
ainda termos que ser amáveis para as pessoas que esperavam ver outro tipo de
primatas naquele local. Afirmei várias vezes que era quase igual, e que nós até
éramos mais interactivas, mas ainda assim pareceram-me desiludidos. Ainda
pensei em iniciar uma dança de dominância e show-off à la Jonas, mas pareceu-me
exagerado. O que valeu foi a melancia e o melão final – deixem-me dizer-vos que
aqueles animais comem coisas que estão impecáveis!
Perto do armazém, foi ministrado um banho de mangueira ao
Ico, que o merecia, por várias razões. Os outros ainda se seguem! Pior foi que
ele nos desmontou a torneira, numa manobra de segurança algo exagerada.
Seguiu-se a elaboração de um segundo vídeo humorístico no qual eu, com a Jess
às cavalitas, exemplifico os “4 andamentos do cavalo normal” (e isto porque não
tenho pernas suficientes para o “tölt”
dos islandeses), com trote levantado e tudo, e cangocha final. Não, minto:
final foi a corrida das avestruzes, com o Ico a inquirir como é que nos
apanharia com um gancho...
E no fim do dia o Ricardo ofereceu-me um Bolicau caseiro, e
às outras não. IN YOUR TROMBAS!
Hoje, dia 4 de Setembro, as minhas 3 colegas grouas
abandonaram-me para tratar de assuntos burocráticos, com o frisbee e o carro do
Winston, pelo que ao fim da tarde nos encontramos apeados e impossibilitados de
nos estoirar todos na praia...mas nem tudo é mau, é da maneira que ponho isto
em dia.
Aproveitei a ausência das referidas pássaras para ter um dia
em cheio, tudo bem que começou pagãmente cedo, como de resto, sempre: às 8 da
manhã, e logo com as ilhas dos primatas, o que me deixariam extremamente feliz
e satisfeita. Deixaria, estivesse eu
estagnada na fase freudiana da retenção anal, e conseguisse eu retirar alguma
satisfação da actividade de esborrachar fezes com vários graus de solidez (de
nenhuma, (splat splat splat) até razoávelmente formadas) com um rodo e alguns
quilos de casca de melão.
Como não estou, foi-me mais divertido carregar os pequenos
gamos que tínhamos anestesiado e capturado com tanto carinho, armazenando-os
depois num compartimento à parte, onde agora, na iminência de serem colocados
em caixas transportadoras, executavam os 7 actos de loucura conhecidos à classe
dos cervídeos, incluindo arruinar os nossos esforços de os entregar em bom
estado de conservação, investindo estupidamente contra as paredes em pânico
desnecessário.
São animais muito bonitos, não é por nada que se diz que
alguém tem “olhos de bambi” quando são olhos grandes, escuros e meigos, mas a
força e pujança com que se conseguem catapultar para alturas incríveis são tudo
menos delicadas.
Felizmente tinha ao meu lado os valentes Ico e Francisco,
que não me deixam, de modo algum, colocar-me em situação alguma remotamente
perto do perigo (neste caso pequenos gamos de 20kgs), sendo que o Ico, da única
vez que fiz alguma coisa útil e agarrei 2 me gritou tanto que os voltei a
largar antes que ele tivesse um enfarte, e passei o resto do tempo com uma mão
em cima do braço dele, só para ele saber onde eu estava, e que não estava a ser
espezinhada, escoiceada, ou saltada contra.
E havia também a equipa externa, constituída por um senhor
de cor-de-rosa (vá se lá saber porque é que um homem há de querer usar
semelhante cor, e parecer um marshmallow) e os seus dois rapazes do cabelo
fantástico. Creio que para trabalhar para este senhor, era pré-requisito ter um
cabelo esvoaçante, que com o comprimento de um palmo, que contorna a cabeça
numa espécie de semi-elipse semelhante à via láctea.
Depois passámos a anestesiar o minignu, que se apresentava,
já há vários dias, letargico e trôpego, e, ao andar, com algumas dificuldades.
Cheguei à conclusão que são bichos pouco apegados, uma vez que a mãe se
borrifou para o facto de lhe levarmos o piqueno, e o piqueno nem sequer tugiu
nem mugiu (no verdadeiro sentido da palavra) para pedir auxílio. Ele é uma
espécie de poldro-bezerro com uns 40gs, uns olhos de permanente espanto máximo
(efeito que a ketamina ainda potenciou)e orelhas de lebre.
Depois de radiografado em várias posições o João e o
Dr.Manuel, especialista em cavalos, chegaram à conclusão que se trataria, muito
possivelmente, de uma epifisite, de um processo inflamatório na epífise,
portanto, que se manifesta em dores e consequente claudicação. A zona das
placas de crescimento estava menos delimitada, no raio-x, com uma coloração
mais enevoada, e o tratamento passará por controlar a inflamação (metacam) e
bastante repouso.
O repouso no safari é difícil, pelo que se resolveu que seria
preciso prender o pigmeu com a mamãe gnua no recinto das girafas, o que por sua
vez implicava anestesiar a mamã, pô-la em cima de um jipe, com a ajuda de um
tractor, levá-la para a box, onde deverá permanecer sedada com aloperidol e
prefenasina, na esperança de assim não partir aquela infraestrutura toda. Giro
giro foi ver o pequeno gnu reencontrar-se com a progenitora, que ainda estava
deitada, meio groggy. A criaturinha soltou um béééé comovente, que penetrou até
à consciência da mãe, que respondeu, sem se conseguir levantar ainda, e então o
pequeno deitou-se ao lado e começou a comer feno. Tudo está bem quando tem mãe.
Algures entre folgas que precisei de tirar para trabalhar, e
a burocracia adajente à minha mudança de universidade, perdi o sentido dos
dias, e já não sei o que se passou quando...pelo que a datação passa a ser
absolutamente aleatória. Acho até que já escrevi diário detalhado de dias em
qua não estive presente, logo das duas uma, ou ando enganada nos dias, ou na
realidade, e penso que estou onde não estou, e destas duas, quer me parecer que
será a primeira opção.
Vamos falar de fezes de macaco mais um pouquinho? Hoje a
Paula afirmou com muita seriedade que até “tem pena dos rodos”, e percebo
exactamente o que ela quer dizer, pois quando ainda estamos à espera que o
depósito da água encha, para que tenhamos pressão na mangueira, e “rodamos” as
poias e os restos da “tomatina” a seco, fazendo triagem cuidadosa das cascas de
tamanho superior ao diâmetro das tubagens do esgoto, realmente dá dó...
Mas adiante, pois tenho muita coisa engraçada para relatar.
A jess está absolutamente convicta de que vislumbrou um pénis de avestruz, por
exemplo. Agora é verdade que aprendemos muita coisa sobre estas aves, mas
sempre pensei que aves, para além do pato, que tem uma espécie de fusili como piroca, a grande maioria
acasalava juntando cloacas, e, no melhor dos casos, uma espécie de pelezinha
rudimental. E aí surge um aveztruzo, para me esclarecer de que, não, afinal é
mentira: estes passarões têm até 40 cm de pénis eréctil, com uma espécie de
goteira espermática! Eles andem aí! A jess tinha razão. What is next? Os dentes
dos falcões?? Deixo-vos aqui o link para mais informação: http://scientopia.org/blogs/scicurious/2011/12/16/friday-weird-science-the-erection-of-the-ostrich/
De acordo com o meu bloquinho de notas, escrito na caixa do
nosso veículo empoeirado, com Ico o
terrível ao volante, no qual aponto as coisas que ainda vos quero contar, e
para cuja decifração, pela força das curvas e solavancos, admitidamente,
preciso de um segundo rosetta stone, tenho uma conversa registada, entre avestruzes e gamos, as principais vítimas
das nossas caçadas.
Tanto as avestruzes, como os gamos, em consequências das
nossas investidas diurnas e nocturnas, andam muito stressadas e esquivas, e
imaginamos que a culpa é das avestruzes, que terão dito aos gamos o que nós
fazemos.
- “Oh mestre gamo, tenha cuidado com os seus filhos, que
aquele maluco do boné agarrou-me pelo pescoço que me ia partindo toda...ainda
hoje me dói a glote, os tacos de ração?, engoli-los é mentira, ando a água e
farinha dos equinos há uma semana e meia!”
Algures anteriormente afirmei não me encontrar estacionada
na fase freudiana da retenção anal, mas pelo que parece é mentira, porque passo
a vida a falar de cocó. Tshei, fizemos uma acção conjunta de apanhar todo os
estrume dos padoques dos cavalos, (que bem precisavam)... Éramos 10 (João,
Tiago, Marcos, Ico, Ricardo, Francisco, Soraia, Jess, Paula, Ana e Eu) (ou 11,
então assim sendo, os dedos não davam para mais de 10). Foi uma loucura!
Acredito que quebrámos vários recordes – o de carrinho de mão cheio mais
depressa, o maior número de pás a encher um carrinho, o de mais larvas de
escaravelho recolhidas para enriquecimento ambiental dos suricatas (e, no
fundo, enriquecimento ambiental das larvas também, se bem que pela última vez).
Parecíamos garimpeiros durante a febre de ouro do Yukon, em
miloitocentos e muitos (trocópasso), menos o Ico, que parecia um galinácio
gigante, a escavar em busca de larvas: “PÁREM!! OLHEM ELAS ALI!! (só faltava o
cot-cot-cot com que o galinácio chama a sua prole) OLHEM AQUELA GRANDE!!”, isto
tudo com os inquilinos dos padoques a melgarem-nos a cabeça, estacionando as
suas rotundas garupas em todo o lado onde não dava jeito, galopando entre os
ancinhos e tentando derrubar os carrinhos de mão!
Certa vez, quando Ico “o veloz” tinha saído para despejar a
pá do tractor que enchia em frações de minuto, o lazão tentou fazer para a
portada aberta, não contando com a rapidez e determinação da Soraia, que, com
certeza treinada por anos a correr atrás de cavalos fugitivos, lançou um ancinho
para o espaço da porta com uma perícia, pontaria e elegância invejáveis a
qualquer atleta olímpico de lançamento do dardo. Só tenho pena de não haver
vídeo!
Algumas meias horas mais tarde, estávamos todos com um
semblante menos brilhante, o ranho preto tomaria novas dimensões, creio que por
esta altura as estalactites pretas me chegariam ao lobo frontal, o suor
escorria e deixava caminhos mais claros na camada de pó, e o óleo com que o
Marcos tinha oleado o seu tronco nú já nem brilhava... (não tinhas oleado o
quê? Sou eu que escrevo, e escrevo o que eu quiser!). Sim, pois de acordo com
ele, estagiárias são como homens, e também deveriam trabalhar de tronco nu.
Riiiight.
Estava na hora da vingança da água, que vínhamos a prometer
há dias, pelo que a Ana agarrou na mangueira, eu me assegurei de que ela teria
metros suficientes, fizemos um sprint
súbito e furioso que fez os homens afastarem-se em bando, como fracas perante a
ideia de serem desparasitadas, e..... Arracámos a mangueira. Depois fomos
recuperar o João quase ao pé dos canis (não gosta mesmo de água, ele) e pedimos
charmosamente ao Ico que arranjasse a mangueira. Temos de tentar outra vez.
E depois há a Ritinha, que é omnipresente. O Deus dos
Elands, ela está onde a carrinha aparece, com uma velocidade surpreendente, e
com uma determinação feroz, toda ela orientada para apanhar o maior número
possível de tacos de ração ou outras substâncias comestíveis, e só a visão do
pauzinho de choques, com que também são tratadas algumas estagiárias (nunca eu)
(mas é lindo, até pulam!) é que a consegue afastar pelo menos alguns metros. No
primeiro dia é giríssimo, e admiramos a sua elegância exótica e enormes olhos
negros, mas ao fim de dois dias estamos com os tratadores da velha guarda, a
enxotá-la irritadamente, “Fora sua lambisgóia que vende o corpo por dinheiro!!”
(ou algo de significado semelhante) para que ela páre de entornar os baldes das
girafas que se encontram sobre a carrinha.
Entretanto, para piorar o meu caso – já sei que falo demais
– enfiaram-me (a Jess) F16 no canal auditivo, e com isto não me refiro ao
avião, mas sim às bolinhas de ração para aves, que têm o tamanho exacto para
passar a audição humana de stereo para mono, e ainda agravar o meu problema:
imaginem o que eu falarei se não ouvir bem...
Quem ouve extremamente bem é o Zorrinho, o falcoeiro, que
estava a dizer qualquer coisa sobre uns ramos que só poderiam perturbar alguém
se essa pessoa fosse um nórdico gigantone, ou então se tivesse uma mulher
malcomportada que o tivesse granjeado uns cornos extraordinários, ao que uma de
nós murmurou baixinho “Creio que os meus têm vindo a encolher, com o passar do
tempo...” esfregando a testa pensativamente. E o Zorrinho responde com um
“ENTÃO?! Isso tá praí complicado, não?” compreensivo...
Mas entre todos,
chegámos à conclusão que a encornadura passa de validade com o tempo, isto é,
sendo cornudo uma vez, há uma extensão de tempo razoável para se chorar esse
facto, mas com o tempo há uma regeneração e voltamos a ser “mochos”. Fico muito
mais descansada.
Na véspera do nosso último dia combinámos um cafézinho de
despedida com toda a gente que quisesse vir, e acabámos por nos encontrar numa
cervejaria em Santiago, de seu nome Covas, o que será sem dúvida uma metáfora
representativa do caminho que este local pavimentou para uns quantos
estagiários incautos.
Devem ter sido de caixão ao covas, as p*tas que se apanharam
por ali, e que no dia seguinte, quando era para estarem no parque às 8 da
matina a picar pêssegos para os turacos, com certeza foram amargamente
lamentadas. Nós não, claro. Exigências de cafunés, risadas sonoras e a
descoberta de que eu sou incrivelmente gostosa de abraçar deveram-se somente à
boa disposição das minhas companheiras...
O nosso condor açoriano chegou tarde e a más horas, com o
João, e um rol de histórias engraçadas do zoo de lagos, onde tinham ido tratar
da anestesia, parto distócico e por fim OVH de uma chimpanzéia e dos seus 2
amigos reluctantes, história esta que nos deixou divididas entre inveja ardente
e curiosidade, uma vez que não pudemos ir, porque, claramente, o João gostava
mais do Francisco do que de nós, depois de tudo o que nós houveramos feito.
FUNF. Nada a ver com maior força física e uma formação mais completa.
Entre conversas sobre as “catapumbas” dos tempos dos romanos
(o Ico estava a confundi-las com um engenho que atira pedras), galões e
linguados (credo, juro que escrevi esta na perfeita inocência, foi mesmo o que
jantei) ainda nos alongámos até à meia noite e tal, e ficámos felizes de no dia
seguinte só termos de entrar às nove.
Do último dia temos só algumas memórias pontuais... Gamo
fêmea que nos escoiceou...videos...Alguns de nós estavam meio azedos, e com
dores de cabeça, mas ainda assim conseguimos concretizar um acto de grande
maturidade que andávamos a planear há dias: Encharcar o Marcos. Tomatomatoma! O
Tiago mostrou-se mais esquivo, e atacou como uma cascavél, levando a um
ricochete da maior parte da água sobre o funcionário Jessica, que nada tinha a
ver com o assunto.
Acabou por se vingar na euzinha, vossa fiél escrivã, o que
me pareceu bastante injusto, e me fez abandonar o parque sob suspeitas de
incontinência.
Mas apesar de todas as molhas e amuos, não podíamos fechar
este diário sem um carinhoso MUITO OBRIGADA ao nosso Staff! Vocês foram
impecáveis, estão no meu top five, mesmo abaixo dos lémures e das girafas... (e
só não escrevo nosso top five, porque sei que há algumas meninas que gostam
mesmo muito dos tigres ;-)) Esperamos reencontrar-vos em breve, se bem que nos
fará alguma confusão se tivermos de entrar no parque sob a forma de “meros
visitantes”. Afinal, andar no comboiozinho, depois de termos trepado às árvores
para apanhar ramos de quercus aos molhos, e de descobrir que sim, nas
azinheiras pode haver bugalhos, ia parecer pouco... Quem sabe podemos combinar
um dia na Azenha do Mar, mas não pagam as estudantes empobrecidas, tem de ser
modo praxes, a dividir por todos, hehe!
Um até sempre,
Beijinhos,
Ana Lurdes, Jessica Barbeito, Paula Couto e a escrevente
escrivã Luisa Fechner, que até a escrever tem verborreia.