segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Lutas Geriátricas

Hoje recebi uma chamada do meu irmão mais velho, pondo-me a par de uma situação aborrecida que aconteceu a uma avozinha de 90 anos (vamos imaginar que não é a minha, a implicação genética é assustadora, e eu gostaria de casar com um moço de boas famílias), no centro de dia. Situação esta que levou à intervenção dos dirigentes da instituição, e que ainda estou a ponderar se me deveria encher de orgulho ou de vergonha. Se calhar antes preocupação.

Porquê, perguntam vocês... bem, porque...Porque: não é que a dita senhora se conseguiu meter num fight geriátrico?!!

Sim, é verídico. 

Um episódio de agressão física mútua entre velhinhas. Não sei se voaram dentaduras e permanentes foram permanentemente danificadas, mas pelo relato da ocorrência por várias partes (algumas menos imparciais e um pouquinho alteradas na sua capacidade cognitiva), passou-se o seguinte:

A avó de alguém (não vou aqui escrever nomes, para descaracterizar as personagens envolvidas e manter o sigilo judicial) está a sofrer crescentemente da síndrome do “roubaram-me as coisas”. Esta síndrome manifesta-se em acusar, com grande certeza e determinação, toda a gente de a roubar, inclusivé a única neta que possui, e que definitivamente NÃO rouba saias de malha plissadas e sem godés. Ou era COM godés? Não sei, nem sei o que são godés... 

Enfim, as pessoas do mundo, que são deveras invejosas do seu bom gosto, modernidade e espírito jovem, e como vingança, roubam-na.

Quando feitas no seio familiar as acusações embora aborrecidas, vão passando, mas nem toda a gente, especialmente a antagonista, “que é mais nova, deve ter uns 80 anos, mas é uma velha e eu não” tem pachorra para este género de embirrâncias... 

Assim, a senhora acusada de furtar uma esferográfica personalizada, oferecida pelo filho...não, pelo outro filho... ou quiçá marido (há coisas que se esquecem, afinal de contas), não teve com meias medidas e, impulsionando-se vigorosamente no seu andarilho, procedeu à ministração de medidas físicas de correcção sobre o toutiço da avozinha.

Não obstante estar sentada e a outra de pé, a avozinha agredida não recusou o scratch (isto é linguagem de lutas de pits) e lançou se em defesa, com uma espécie de uppercut à old-school (tipo, school de 90 anos) que deixou bem claro que ali, naquele centro, ela não seria uma espezinhada! Aliás, hoje ainda garantiu à entrevistadora que, apesar de lhe ter ficado a doer o cocoruto pelos calduços recebidos, a outra velha que nem pensasse que ela trocaria de lugar à mesa comum!


Acabou o episódio com pedidos de desculpas mais ou menos sentidos – okay, zero sentidos, de má vontade, e profundamente hipócritas e a incerteza acerca da possibilidade de continuar a manter estas duas senhoras em espaços físicos contíguos sem danos de maior... 

Mas como a referida avozinha no dia em que escrevo isto teve o desplante de ligar à neta a insistir que eu - perdão, ela, a neta - é que se esqueceu que já levou duas (está a aumentar para maior número) saias das melhores, há um sentimento nascente de: Whatever! Vá lá acusar assim a sua colega da casa de repouso se tem coragem, mas depois não se queixe que levou bengaladas!

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Bull...shite!

Será que ele gosta verdadeiramente de mim?
                                                               - Sofia, 17 anos, in: Revista Super Pop

Uma amiga de um bom amigo tem uma técnica para testar a sinceridade dos sentimentos dos seus pretendentes: Cada vez que começa a sair com um representante do sexo masculino que lhe elogie os longos e femininos cabelos, ela corta-os assim bem curtinhos. Só para que conste. Os que se mantêm, são os que passam ao round dois da triagem de futilidades.

Boa, pensei eu, não parece má ideia. 

O pior é que sou incorrigivelmente vaidosa, e cortar os meus longos cabelos não me parece de todo razoável. Mas há outras maneiras.

Assim como... Arranjar um Bulldogue Francês, pequeno canídeo braquicéfalo com inúmeras maleitas físicas derivadas do overbreeding impiedoso, uma das quais é uma sensibilidade gastrointestinal que se reflecte em frequentes episódios de desarranjo aquando do consumo de um pedaço de pão seco ou um grão de ração de outro cão.

Procede-se então, da seguinte maneira, em 20 passos simples:

1) Alimentar pequeno item invulgar ao bulldogue.

2) Combinar dormida em apartamento pequeno e arrumado da vítima.

3) Armazenar bulldogue e cão adicional (de preferência flatulento) num quarto gentilmente cedido.

4) Passadas algumas horas ir verificar, tendo o cuidado de não acender um fósforo, por perigo de explosão. Passear canídeos à chuva, ou melhor ainda, pedir à vítima que passeie (pestanas longas e pijama curto ajudam nesta fase!).

5) Acordar a vítima às 4h da manhã porque bulldogue está inquieto. (Inquieto=ganidos incessantes da transportadora na qual devia dormir).

6) Verificar que bulldogue encheu a transportadora até uma altura de 2 dedos de uma substância semi-líquida composta por produtos expulsos tanto pela “porta da frente” quanto pela “porta de trás”.

7) Tentar retirar pequeno chouriço conspurcado e esperneante do interior da box sem que toque no chão. Conspurcar T-shirt gentilmente cedida pela vítima (so much for sexy in his shirts...).

8) Transportar acima mencionado chouriço canino até à casa de banho, pingando o corredor.

9) Verificar que não se têm mão livre para abrir porta ou acender a luz.

10) Utilizar, destramente, o cotovelo para concretizar ambas as tarefas mas ao encostar mais à porta, provocar patada de substância indescritível na parede branca.

11) Praguejar um cadinho. Lavar canídeo na banheira, secando-o com uma toalha que esperamos não ser necessária para outros fins tão brevemente. Ou alguma vez.

12) Retirar pedaços de ração não digerida da banheira para não entupir. Rezar para que sejam provenientes da “porta da frente”.

13) Soltar canídeo que patinha alegremente todo o corredor e tenta correr até à cama da vítima para se rebolar.

14) Agarrar transportadora. Verificar que não passa pela porta do WC, e que quando diagonalizada pinga para o chão e para cima do meu pé.

15) Desmontar transportadora. Fazer uma espécie de origami humano por cima da sanita de forma a deitar todo o conteúdo lá para dentro, por um canto.

16) Verificar que com a abertura virada para a parede não consigo empurrar restos de digesta ou quimo ou quilo com os enchumaços de papel higiénico que vou enrolando. Virar tudo e sujar mais um cadinho a T-shirt.

17) Juntar enchumaços encharcados a um canto não vá a sanita entupir.

18) Colocar box na banheira e verificar que a mesma ameaça entupir apesar de todos os cuidados. 
(Nota mental: Culpabilizar os hábitos metrossexuais de depilação da vítima pela banheira entupida e negar toda a responsabilidade.)

19) Secar a transportadora com um segundo rolo de papel higiénico, soltar um suspiro de saudade de um relvado no alentejo e de uma mangueira.

20) Limpar o chão. Limpar a banheira. Limpar a sanita. Limpar a parede. Arejar o quarto. Tomar banho.


Posto isto, se a vítima se mantiver presente e acordada durante todo o exame, persistindo nas suas declarações de carinho nos dias seguintes, passará ao round 2. Caso contrário, terá de ser submetido a um teste de recuperação, ou chumbado directamente.