domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ms.Sophie e a Dança Nocturna

Quem conhece a minha casa, lembrar-se-á que não é uma casa convencional, é um self-made-residence que tem mais de alternativo e bom carma do que tem de arrumação e funcionalidade... Uma das particularidades é que tem cerca de 7 portas que dão acesso ao exterior, e por todas elas entra e sai bicharada encardida, até galinhas confusas, por vezes.

E uma dessas portas permite um acesso privativo ao meu quarto, que pode ser utilizado para vários fins, seja para fazer entrar pessoas ou animais das quais a minha família não imagina que frequentam o meu quarto, seja para simplesmente não ter de passar pelas portas dos meus membros familiares quando esses praticam o sleep e trago amigas no limiar do vómito etilicamente induzido.

A referida porta é muito bucólica, dando para um pequeno relvado, com uns degraus de madeira (escorregadias armadilhas para amigas nas anteriormente referidas condições), uma espécie de um arco que liga uma oliveira centenária (ou vá, pluridecanária pelo menos) ao telhado, e que dá apoio a uma roseira trepadeira. E àquela outra trepadeira dos infernos que cobre tudo com verde e flores azuis mas que depois é anual e faz umas massas de vegetação acastanhadas e feias quando retira por motivos de hibernação.

Há, ainda, mais algumas roseiras, e uma vedaçãozinha que tem dois propósitos: impedir alguém de fazer alguma coisa no relvado (não se sabe bem o quê), e fazer-me tropeçar. Mas essa eu sei exactamente onde está, logo não tem problema nenhum.

Ontem à noite estava bastante frio, e senti as minhas orelhas geladas, pelo que decidi festejar um revival de uma antiga tradição transversa às culturas europeias: o gorro de noite, nightcap (sem álcool), schlafmütze, bonnet de nuit, enfim, compreendem, né. 

Fui à gaveta dos gorros, e encontrei duas opções (as outras tinham ido comigo para a neve e ainda não tinham voltado à gaveta): um gorro preto de fibra polar, apertado, que me fazia parecer um pene com necessidade de circumcização célere por motivos de necrose auricular, e um gorro de pai Natal, larguinho e muito confortável.

“S’a lixe!” – Pensei. Também não é como se alguém fosse descobrir que não durmo com uma camisa de noite branca com rendas no regaço, de forma que o gorro de pai natal  não estraga nada o ensemble geral.

Coloquei-o, e, ensonada, ao fazer o percurso por baixo debaixo das românticas roseiras, pelo caminho de relva, com as pantufas mal-enfiadas (a pisar a parte de trás, porque é só para meia dúzia de passos) vi-me num nightmare after christmas que ultrapassava tudo o que alguma vez vivi na completa escuridão. (Sim, tudo!).


Tropecei num buraco, e ao dar dois passos cambaleantes em frente, salta-me uma pantufa. “Raios, vou molhar a meia,” pensei, antes de tudo piorar e eu não só molhar a meia (check!) mas também pisar uma p*ta de uma roseira cortada que me perfurou a planta do pé em vários sítios (senti os estalinhos dos espinhos a passarem a epiderme e a irem até onde conseguiam) (e foi mais fundo do que se imagina). 

Quis reestabelecer o equilíbrio, mas não sabia da pantufa, e a segunda perna tinha agarrado uma grande quantidade de roseira que me abraçava com mais intensidade do que alguém alguma vez me tinha abraçado naquele local. 

Preguei dois pulinhos a pécoxinho e enrolei-me na vedação (aquela que eu felizmente sabia exactamente onde estava mas qual me tinha esquecido) , fiz marcha atrás, caí num segundo buraco (roguei pragas à minha mãe e à m*rda do transplante e poda de roseiras), quase perdi a segunda pantufa, sempre com o pompom do gorro a agitar-se furiosamente em cima da minha cabeça, descrevendo círculos e movimentos pendulares, e, finalmente, nem sei bem como, consegui sair dali. Muito acordada, com os pés molhados, as pernas arranhadas, vários furos a escorrer sangue na planta do pé, e espinhos de roseira partidos que eu só viria a encontrar muito mais tarde, nas calças do pijama. 

Boa noite amiguinhos. Viver no campo é tão revigorante.

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