sexta-feira, 30 de julho de 2010

Paris-Veneza

A noite em Paris acabou num banco de rua, a partir do qual do qual impressionei os meus rapazes com uma performance de sono à la texugo francês com uma duração de cerca de doze horas, afirmam eles. Não digo que fossem doze, mas foram umas quantas. Sossegada pela distância segura de 300 metros da gare, onde não pudemos ficar por duas razões: primeiro porque fechava, e segundo porque a mitra toda tinha me visto lá dentro com um laptop, em prol do blog.

Na manhã seguinte, por volta das 9 seguimos caminho até Munique, onde esperavamos poder tomar uma banhoca, já que não íamos conseguir dormir lá uma noite, visto que o comboio nocturno para Veneza se apresentava como a única alternativa viável. Em Munique, após seis horas de viagem e uma mudança de veículo em Stuttgart, apeamo-nos em München-Pasing, onde tenho bons amigos.

O Pete, que é cego e incrívelmente desenrascado e simpático foi nos buscar à estação, fomos até casa dele lavar uma casca de morraça dos chãos de estações e aeroportos que já nos cobria os corpinhos danone, comemos um esparguetezinho (pouco) e voltamos de autocarro+comboio para Munique, carregados que nem ouriços.

Trancámos as nossas meninas num cacifo, por 5€ e iniciamos as nossas 4 horas de passeio na Baviera. Ainda mal tinhamos visitado a primeira loja da Beate Uhse, uma cadeia de sex-shops de renome, e já achavamos que era pouco tempo. Os Mr. X e Y babaram-se um pouco por cima dos variados artefactos de borracha e latex, e ao serem confrontados argumentaram que era melhor estarem interessados nas pachachinhas de bolso do que nas pilocas de todo o tipo de materiais, inclusivé o set para fazer um molde de gesso do próprio membro. Não percebo a questão do “melhor”, mas enfim, os homens têm uma tendência para serem um pouco mente-fechados.*insert more inappropriate homosexual jokes here*

Tendo então re-abastecido o nosso stock de eroticofernália na qual não entrarei, aqui, em detalhe, estava na hora de ver alguns monumentos, desta vez em pedra e outros materiais inanimados, e não o tipo de “monumentos” em calças de ganga apertadas que o Mr.X nunca persegue. Uma vez na movimentada zona pedestre, confirmei que de facto as pessoas que vêm do mesmo sítio são realmente muito parecidas, quando avistei uma miúda que parecia tal e qual a minha amiga Isabel, que mora em Munique, e com a qual nos íamos encontrar. Mesmo parecida... Mas esperem, era ela! Ela mais o novo namorado, o Jonas, e aqui tenho de fazer um aparte: os namorados da Isabel são de facto um campo muito interessante. Se eu já tinha e tenho um fraquinho pelo anterior (acerca do qual a última palavra ainda não está dita), este então é bem capaz de ser ainda mais fofinho... francamente! Super-simpático, cute as a puppy, e ainda por cima falava inglês.

Fomos ver um ou dois monumentos importantes de Munique, a Frauenkirche e o Rathaus, mas sem muito sucesso, pois os meus acompanhantes tinham ouvido as palavras mágicas “bier” e “garten” e interessava-lhe mais a cultura cervejífera do Sul da Alemanha do que o seu património arquitectónico. Experimentaram dois tipos de cerveja, e, ainda que reluctantemente, um pouco de bratwurst com sauerkraut (salsicha com chucrute) e em menos de nada estava na hora de corrermos que nem doidos em direcção à estação. Perdemos o Jonas pelo caminho, mas as suposições da Isabel de que ele devia ter ido comer não se provaram veridicas, uma vez que ele ressurgiu minutos antes de o comboio arrancar, com três cervejas “como deve ser” para a nossa viagem. Nem tive coragem de dizer que não bebia... e de facto, após em Paris acidentalmente se pedirem 3 cafés, e eu beber um deles, e depois experimentar uma espécie de panaché, um dos meus Misters já tinha avançado a hipótese de eu chegar a Portugal a fumar cigarros.

A viagem até Veneza foi feita no interior de um compartimento com 6 beliches, na companhia de um japonês, e dois puppies de internacionais, um sueco-dinamarquês chamado Robin e um americano-assuecado chamado Jeff, que competiam os dois na mesma equipa de Natação em Denver ou qualquer coisa assim. Por altura de eles me começarem a elogiar o inglês os traidores dos meus compinchas, já com duas cervejas no bucho (cada um) (e das alemãs, que são grandes) abandonaram-me ignomíniamente, deixando-me à mercê das histórias de bezanas dos dois puppies loiros que andam a gregoriar their way across Europe. Charming.

Enfim, eu conversei então com os semi-bebedos que não conhecia, enquanto que os semi-bebedos que conhecia se divertiam aos montes, no corredor, ficando cada vez mais etilicamente impossibilitados de se portar civilizadamente, a dada altura vieram-me pedir a máquina fotográfica e com ela iniciaram um pagode do qual eu suspeitava que resultassem fotos pouco próprias (soava como se estivessem a põr os cús fora da janela e a tirar fotos a essa actividade) ao ponto de eu ouvir uma cacofonia de tal forma grande vinda do exterior do compartimento que levantei a orelha da almofada para escutar melhor:

brrblablalalalaHAHAHA...brrblrblrblrnhumabfihehehehehe*caralho*bladibladiHAHA

Eram eles sim. As alhadas à tuga não enganavam ninguém. Riam a bandeiras despregadas, e fumavam cigarros sem fumo só para atrofiar os picas. Comuniquei ao resto do compartimento que a versão oficial seria que eu não conhecia os barulhentos senhores, e que aliás, tinha vindo da Suécia ontem, e ficámos assim.

Não sei se os meninos conseguiram dormir alguma coisa de jeito, mas é certo que no dia seguinte às 6 da manhã tivemos de saltar do comboio sem sequer lavar o trombil e arrastar as nossas empoladas patinhas rumo à cidade dos canais.

Em Veneza tivemos sorte e azar, sorte porque estava um dia lindo: era cedo, estava agradável, e estava tudo vazio. As calle, as fundamenta, os sotoportegos, as ramo, as rio tera, as salizadas, enfim, todas as veias e artérias das cidades, incluindo os malcheirosos canais. Passámos a porte do Rialto, a primeira ponte a passar o grand canal, que inicialmente era de madeira mas depois foi reconstruida em 1588, sendo portanto “nova” para cronologias venezianas.

O célebre mercado de Rialto estava a abrir na altura em que chagámos lá. Rialto fica em S.Marcos, que é um dos seis distritos ou zonas administrativas nas quais se divide Veneza desde 1170, quando foi assim organizado para permitir uma melhor coordenação militar, para conseguir combater mais eficazmente as frotas das forças turcas. Os outros cinco distritos são: Castello, Dorsoduro, Santa Croce, San Polo e Cannareggio, sendo que os monumentos mais conhecidos ficam em S.Marcos, na grande piazza, que àquela hora da manhã tinha todo o pitoresco charme da Veneza de Lord Byron.

Um luz suave, poucas pessoas, arquitectura maravilhosa, como farnel tinhamos a fruta fresca que acabaramos de comprar no mercado, e havia inúmeros pombos que com pouco esforço puderam ser persuadidos a vir comer à mão e pousar sobre nós. Desta vez sem acidentes intestinais. Quando tinhamos dado a volta das vacas, que é aquela que implica olhar para tudo, dizer ah! E oh! Mas não perceber nada nem ter nenhuma profundidade histórica, quis convencer os mininos a fazer uma visita guiada a pé, o que me foi veêmentemente negado, a ressaca é um casaco que pesa (ai que maravilhosa é a liberdade de expressão na virtualidade da internet!) e suas excelências não queriam.

O Mr Y porque não via o ponto “why”, e o Mr.X alegando o Parâmetro 1, em vista dos 18 euros que a coisa custava. Enfim, acordamos que eu iria na visita das 15h, devendo depois recriar a experiência para os dois abandonadoiros de senhoras. Mas, como diria o Mr.X, um mal pequeno para um bem maior, pois ao abandonar-me a mim ficariam livres para acompanhar a parte feminina dos 21 milhões de turistas que palmilham as calçadas de Veneza todos os anos. Ou pelo menos para aquelas que lá estivessem nesse dia, tivessem mais de 12 e menos de 40, e usassem mini-calções, de preferência, o que parece ser a grande moda do verão, e que se lixe a celulite.

Mas ainda faltava tempo para a visita começar, e decidimos encotrar algo em que rilhar o dente, encontrand, por fim, um restaurantezinho bem longe do centro, no qual uma pizza custava em média 8 euros. Pedimos 3 pizzas e recusamos as bebidas e o cestinho de pão e grissini, explicando o low budget. Era uma pizza de prosciutto+funghi, uma de funghi porcini, e uma de oregãos e achovas, todas com queijo e tomate, obviamente. As anchovas, para quem - como um dos dois Misters - não se lembra o que é, são uns filetes de sardinha minúsculos, castanhos, que sabem terrívelmente a peixum e sal. Não sei quem pediria semelhante coisa. A altura da conta vai para o índice F, um novo índice que irei criar para além do índice por cidade visitada, e cuja inicial remete para a sua finalidade: será o índice dos f*dões, no qual já figuram o F1- Lulas confiscadas, o F2- Água a 4 euros, o F3 – Sistema de rega às 7 da matina e finalmente o F4 – o COPERTO.

O Coperto resume-se a uma filha da putice (mesmo) que consiste em extorquir do inocente turista um valor ridículamente alto pela simples razão de ele existir na sua forma sentada, naquele estabelecimento. Já não basta que descaradamente cobrem 10% de “Servizio”, que seria a gorjeta que sempre interpretei como uma delicadeza facultativa, como ainda juntam mais taxas! A conta final lia:

3x Coperto = 6 euros

3x Pizza =26 euros

Subtotale = 32 euros

Sevicio 10% = 3,20 euros

Total =35,20

Quando se estava à espera de 26€ no total, faz diferença. Entre planos de vingança sofisticada como colocar 30 € em cima da mesa e bazar, alegar falta de meios absoluta aliada a pobreza juvenil, ou mandar 4 berros, optámos por discutir um pouco e depois pagar e calar. Em Roma sê romano, e em Veneza, sê falcatruado na pizzeria.

E ainda por cima a pizza não era nada de especial. Moral da história: se cá vierem, não comam no “Da Alvise”. São antipásticos e maus. Perdão, antipáticos. “COPERTO, COPERTO! Enitália, COPERTO!” exclamava a criatura dando vontade de responder “Socci nu trombi, inportugali, socci nu trombi, vá falcatruí pró raio qui parti!” E fanculo também.

De barriga cheia e a mais um passo de concretizar o meu objectivo neste interrail que é levar o Mr.X à falência, lá me deixaram no posto de turismo para a minha visita guiada, com uma italiana chamada Frederica, que falava um inglês com um sotaque de tal forma italiano que se fosse eu teria vergonha de abrir a boca, quanto mais falar em público e querer ser paga por isso. Mas admiro a coragem, e tirando uma vozinha de rato (mas nem todas podemos ser generalas meias-alemoas) ele fez um bom trabalho. Infelizmente a volta não abraggia (ups, até já se me safam os dedos para o italiano) (para a língua italiana, claro está, que de resto estou como o Mr.X, não olho para ninguém) abrangia, digo, a piazza de S.Marco, mas somente o distrito à volta da mesma. Mas aprendi coisas giras na mesma, algumas das quais já fui semeando discretamente ao longo do texto numa tentativa de aparentar maior cultura geral do que aquela que de facto possuo...

Assim descobri que a piazza de S.Marcos é de facto a única em roma a portar esse nome, enquanto que as outras praças e pracetas de têm de contentar com o humilde “Campo”, que vem mesmo de campo, pois eram terrenos de terra batida até ao século XIII, quando foram calcetadas com uma espécie de tijolos que só no século XVII deram lugar às actuais lajes de pedra tamanho A4 que pavimentam as ruas. Muitas destes “campos” tem uma igreja e o nome de um santo associados, como aliás, toda a cidade, que tresanda religiosidade. Fomos visitar dois dos mais belos exemplos de igrejas barrocas na cidade, a de S.Moisés e a de S.Mario del Giglio, que partilham uma característica que testemunha mais uma vez a bondade e humildade inata do ser humano. Ambas datam de periodos da histório tão remotos quanto o século X e ambas foram renovadas e arranjadas no século XVII, por duas grandes famílias venezianas, os Fini e os Barbaro o que não só levou à embarroquização terrível das façadas como também da adição de grandes estátuas de membros da família pagante e altos-relevos das suas vidas grandiosas...

É também da praça de Maria de Giglio que parte a procissão do feriado de 21 de Novembro, que se dirige até à igreja da “Salute” na piazza S.Marco, e que assinala a data do fim da última epidemia de peste bubónica na cidade de Veneza.

Também aprendi que Veneza tem um dialecto diferente do italiano padrão (como seria de esperar) que se manifesta em diferenças a nível semântico, como por exemplo o “campo del calegheri”, a praça dos sapateiros, que em italiano padrão se diria “calssolari”. Neste campo a nossa guia chamou-nos à atenção para os velhos poços de pedra que se encontram em quase todas as pracetas e que serviam como reservatório para recolha de água da chuva. A água caia sobre os telhados, e era conduzida até ao chão, e einflitrava-se nos reservatórios debaixo dos poços através de lajes especiais, furadas para o efeito. Esta questão da água era algo que nunca me tinha ocorrido, mas, de facto, sendo uma espécie de ilha artificial construida sobre a água toda a água potável teria de vir da chuva, ou ser penosamente trazida de barco. Isto leva a que, em tempos idos, os pobres bebessem a água duvidosa dos poços de água da chuva enquanto que os ricos bebiam bem e de importação.

Aliás este tipo de desconfortos ilhéus, aliados ao problema de ser uma cidade museu está a provocar uma espécie de donuts effect, aliás, um fenómeno registado em estudos urbanisticos (ou como se chamam os estudos que estudam este tipo de geometria citadina), com o centro a desertificar devido à deslocação de todos os nativos do centro para a periferia. Se há um século atrás eram 120.000 venezianos verdadeiros a residirem no centro, hoje em dia não passam dos 60.000. E os edifícios históricos estão todos a ser comprados por russos que os transformam em hotéis e pensões. É a única coisa que é uma pena, na cidade das gondolas, é que está de tal maneira turistico que já não se “sente” a verdadeira Veneza, e tudo para turistas, tudo caro, tudo pré-fabricado, e por muito bonito que seja, sente-se um pouco falta do rústico, das pechinchas, dos achados, no meio de tanto picture-perfect itália para baifes como nós.

Ah, e mais uma vez o preço das godolas. Já da primeira vez que fui a Veneza não andei, devido aos preços proibitivos, e desta vez, a arcar com o P1, ainda menos fui, né? Para a próxima levo um bote de borracha pintado com spray preto, e faço a festa. E até sei o aspecto exacto que a parte da frente da gondola verdadeira deve ter: deve ter uma peça de lata com a forma do grand canal, com seis pequenas protuberâncias que simbolizam os seis distritos, e, por vezes, ainda com três enfeites que representam as três ilhas, Murano, Burano e Torcello. Posso sempre fazer um, com um pacote de leite aberto.

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