segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Amámos e Agonizámos aim Amesterdão

Amesterdão...Amsterdam, Dam no rio Amstel, um “l” que muda para “r”, o que de resto é um fenómeno linguístico comum e estudado por muitos mais competentes que eu, e aí temos a explicação do nome da cidade.

Cidade esta que está cheia de estereótipos. Talvez de todas as cidades que passámos aquela que mais se embrulha numa cobertura de conceitos pré-estabelecidos, de regras diferentes, de um ideal de mentes abertas que se reflecte em actos fechados e que acaba por reduzi-la a algo tão mais pequeno do que aquilo que podia ser. Amsterdam no fundo é Loret del Mar, mas à escala global, ehhhh, a puta da loucura, Se te lembras é porque não foste... Claro que por aí a capital dos Países Baixos também provocava um fascínio e uma curiosidade especial aos Misters, com destaque para o Mr.Y, que desde Roma que andava possesso com a ideia de vaguear por Amsterdão. Ele, e todos os outros milhares de putos que escolheram as férias grandes para fazer o interrail e que definiram esta cidade como a cidade onde quebrar as amarras e fazer tudo o que as mamãs não gostariam de vê-los fazer.

Significando isto que a cidade estava à pinha. Só no posto de turismo, que tinha um sistema de senhas de atendimento e 40 pessoas à nossa frente, demorámos mais de uma hora para obter um mapa e algumas informações sobre pousadas da juventude. Depois de pousadas a 10 euros em Praga e apartamentos à borla em Berlim, custava-nos acreditar que não se arranjava nada mais barato que 25 euros em dormitórios separados...Huh? Mas eu estou habituada a dormir com os meus meninos...coméquié? Foi quase como se me disessem que não posso levar o Winston para dentro de um hotel, uma pessoa habitua-se a certas rotinas, né?

Decidimos procurar nós mesmos, presencialmente, e seguindo uma lista que nos tinham facultado num gabinete de reserva e marcação de hostels e hotéis, onde uma senhora extremamente antipática me puxou as orelhas por nos atrevermos a existir ali neste mês. Seríamos nós estúpidos? Não víamos que a cidade estava cheia? Não percebiamos que ia ser caro? Isto quando eu nem sequer me tinha queixado de preços nenhuns, estava mesmo só a investigar. Às tantas desisti, e fomos até à rua, onde o Mr.Y teve um raro momento de determinação para resolução de problemas, voltando a entrar lá para dentro, onde tanto moeu a molécula à senhora que a fez telefonar para todos os sítios na lista e fora dela a pedir informações detalhadas. Pelo que ele diz limitou-se a olhar para ela, responder “okay” a todas as reclamações e a insistir “please phone”. Acho que ela só não o matou com um clog bem assente no crâneo porque havia demasiadas testemunhas.

Daí seguimos para o hostel mais barato que nos tinham indicado, mas fomos apanhados, antes de lá chegarmos, por um rapaz à porta de um minimercado, que nos perguntou se procurávamos casa. O pai dele era dono de um pequeno albergue ali mesmo na esquina, e acabámos por ficar num apartamento engraçado, no primeiro andar, com sala com uma cama e um sofá, cozinha equipada, casa de banho e quarto com duas camas. Tudo muito limpo e bem-arranjado, e pouco mais caro que o hostel de dormitórios separados, este seria o nosso lar durante os próximos dias. Atirámos as coisas para lá e fomos comer umas massas ao restaurante italiano duas casas abaixo, rezando para que não houvesse uma especialidade holandesa chamada servitje e copertaaskje que acrescentasse 15 euros aos preços referidos no menu...

E lá fomos nós para as ruas destinadas aos turistas, ver quais eram os items mais comprados aqui nesta cidade. Depressa confirmámos que vivia tudo à luz de ganzas e sexo, basicamente. Se não era alusivo a drogas leves, era alusivo ao redlight district e às prostitutas, ou ainda, no melhor dos casos, como tornar namoradas em coisas amordaçadas, vestidas de latex e com artefactos curiosos enfiados em todo e qualquer orifício corporal. Bem me parece que numa das incontáveis sex-shops até um vibrador auricular vi... Consolava-me não estar ali com crianças pequenas, teria sido mais difícil caminhar, tendo de tapar os olhinhos do Winston a cada dez passos ou gritando desesperadament: No, naughty boy, is not ball, is toy for willy, NO NO, for willy, not for Winston, deixa as pilinhas voadoras em paz, e venha com a mãe! JUNTO!! MrY, tira-lhe isso da boca! O quê? Não queres? What do you mean, é embaraçoso?? Não ves que eu não o posso largar que ele fura aquilo, e aquilo é insuflavel mas caro!

Mas estou a exagerar. Afinal também havia túlipas e clogs de madeira, coisas com moínhos e lojas de queijo que eram um pecado, davam colesterol só de olhar. Agora que as drogas leves eram de longe o campo mais produtivo a nível de objectos vendíveis, é uma verdade. Há lojas de sementes, com catálogos de inúmeras espécies de plantas com nomes como Super Skunk, Shiva Shanti, White Widow, Afghan Kush, Hollands Hope, Cali Orange Bud, etc, etc, são inúmeras e têm preços muito diferentes, no caso de se querer coprar as sementes, que são umas bolinhas de aspecto inofensivo, tipo comida para piriquitos. E, claro, também toda a parafernália que vai com a fase de crescimento, desde estufas, até luzes e ventoinhas especiais, protector solar para as folhas, um pentezinho para as pentear depois do banho, redes de colheita, funis, grinders, champô antiparasitário, música ambiente com base reggae e medidores de THC. (não acreditem em tudo o que eu escrevo). Já para não falar em bolos, cervejas, roupas, preservativos...tudo hemp-based. E T-shirts (“Why drink and drive if you can smoke and fly?”), fitas para o cabelo, cinzeiros, placas, cuecas, brincos, malas, e tudo mais o que apresente uma superficie utilizável, decorados com a referida simbologia. Ao fm de algumas horas deixou de ter tanta piada.

E os famosos coffee shops, claro. Que maioritáriamente estão populados por putos turistas, do tipo wannabe rastas, que acham que acabaram de comprar o bilhete directamente para o departamento dos fixes e cromos da vida só porque estão pedrados que nem uma afegã lapidada deitados nas almofadas e pufs de um café em Amesterdão. Ride on baby, it doesn’t get any cooler than that!

Fomos passear um pouco pela cidade, por cima de tantas pontes e canais que o Mr.X afirmou que se o tivessem colocado ali, dizendo-lhe que era Veneza, ele teria acreditado. Depois vim a descobrir que ele não é o único e que até chamam a esta cidade a “Veneza do Norte”. Os canais, em neerlandês, chamam-se “Graacht”. Os quatro importantes canais do centro da cidade são Prinsengracht, Herengracht, Keizersgracht e Singel. Estavamos com sorte, pois o tempo estava misericordioso (ainda) e até nos providenciava uns minutos de sol, de quando em quando, que nos permitiram sentar na praça Dam a ouvir o espectáculo ao vivo de um rapaz com guitarra, que cantou alguns evergreens eternos como Mr.Jones dos Counting Crows e Wonderwall dos Oasis, que é sempre bom relembrar.
Esta praça é o centro e o coração de Amesterdão e foi, por exemplo, a área de recepção para Napoleão e as suas tropas durante o ano de 1808 na reconquista da cidade mas agora encontra-se dominado pela variante Red Light District de um obelisco, o por nós apelidado “Pichilisco”, o que deixa adivinhar a sua forma vagamente, não, minto: a sua forma descaradamente fálica. É uma coisa enorme e branca, que supostamente é um monumento de memória às vítimas da 2ª Guerra Mundial, mas na realidade só serve de encosto ao pessoal que está a enrolar canhões. E não tem legenda em inglês das inscrições, que é uma pena. Também se situam nesta praça o palácio real, Het Koninklijk Paleis.
À noite fomos então passear pelo Red Light District, a zona mais antiga da cidade, em neerlandês chamada De Wallen, Walletjes ou Rosse Buurt, onde já os estivadores, marinheiros e militares se dirigiam para aliviar o stress.
Esta é a area atribuida aos negócios do sexo, especialmente à prostituição, legalizada neste país, e tornou-se uma das principais atracções turísticas da cidade. De Wallen consiste numa rede de ruas, travessas, vielas e becos crivadinhos em algumas centenas de T0 com montras, a partir dos quais a meninas oferecem ou impingem os seus serviços a quem passa, característicamente iluminadas por uma luz vermelha. Para além da prostituição também se podem encontrar por lá inúmeras sex shops, teatros de sexo, peep shows, um museu do sexo, um museu de cannabis e os incontornáveis coffee shops.
Os Misters e eu andávamos de olhos arregalados, a apreciar tanta Sodoma e Gomorra ali mesmo a alcançe de 50 € por 15 minutos (não me perguntem como é que eu sei isso), ou quem sabe era só eu que me preocupava com a objectificação da mulher, acho que os misters só olhavam mesmo para as maminhas e rabiosques... que havia para todos os gostos, desde fadas loiras e lindas, às quais só apetecia perguntar se com uma carinha assim não queriam antes ser modelos, até às mamãs afro-descententes, que tinham todo o ar de conseguir sufocar um homem de várias maneiras e feitios. Até vi senhoras que não qualificavam como tal, pela existência de um pichilisco, vulgarmente conhecido como pene...
Inicialmente é divertido andar por lá, especialmente estando em minoria absoluta – por incrível que pareça apesar de ser quase património cultural universal, não se vêem ali na rua tantas mulheres como eu esperava – e acompanhada de dois rapazes, mas quando se vai prestando mais atenção aos comentários da multidão e de quem nos acompanha não deixa de ser um pouco bitter-sweet. Se eu já tinha reluctância quanto ao facebook, pelo seu cariz de mercado da carne, ali então estava no centro de uma exposição humana, nas montras de um talho gigante, onde os pedaços de carne feminina se alinham para a apreciação geral. Gostaria de desenvolver um projecto fotográfico que passaria por substituir as miúdas das montras por autênticos bocados de carne, tipo metade de um borrego, uma cabeça de porco, uma entremeada de vaca, mas mantendo todo o resto igual...
É estranho ver aquelas raparigas ali, a maior parte delas de uma categoria carnal acima da namorada média, de sorriso colado no rosto, a mostrarem o seu corpo da maneira mais lisonjeante que conseguem, e do lado de fora do vidro estão todo o tipo de gajos, muito poucos deles atraentes ou minimamente parecidos ao jovem Brad Pitt, a comentar que “não tem mamas”, “tem um cú de foca”, “não vale nada”, “só presta para a ***********”, em várias línguas e vários tons. Comentários de pessoas que na minha lista de 0-10 possívelmente não passariam do 1.5, se vamos mesmo fazer a avaliação objectiva de seres humanos baseando-nos para isso em atributos físicos. Sim, é normal, sim é de esperar. Sim, é o que elas pedem, ao trabalhar ali. Mas isso fá-lo correcto? Isso fá-lo agradável? Para mim não. Posso ser uma menina inocente, cunhada pela geração do Pretty Woman, mas acho que prefiro ficar assim.
No dia seguinte de manhã, tinhamos de fazer uma visita guiada, de autocarro, e o tempo agradável tinha-se esgotado. Chovia. Bom, de autocarro não faz mal. Muito abreviadamente, uma vez que tive queixas referentes à extensão cultural deste blog (seus incultivados! ;-)), passámos o t’Kromhout, o mais antigo estaleiro da cidade, onde depois da 2ªGuerra Mundial, cujos bombardeamentos levaram a uma escassez flagrante de casas, se construiram mais de 200 barcos-casa que navegam pelos rios e canais.
Vimos o primeiro moínho da nossa estadia na Holanda, que estava transformado em cervejaria, um sítio ao qual resolvemos voltar, e a meio da visita fomos elucidadados acerca da razão desta ser tão barata. Pois fiquem sabendo que quando as visitas de autocarro custam 10 euros não devem esperar muito. Esta vivia de um truque do qual já fui vítima na Irlanda, é que consiste num sistema de comissões atribuidas à companhia que faz a visita e que leva a que os turistas sejam conduzidos até vários locais com o intuito mal-disfarçado de nos fazer comprar coisas.
Neste caso tratava-se de uma fábrica de diamantes, o que assim à primeira vista não parecia mal, sabendo que a cidade tinha sido, na altura áurea da holanda, a Gouden Eeuw, no séc.XVII o centro financeiro e de produção de diamantes do mundo, mas que se revelou uma seca de marketing. A fábrica chama-se Gassan Diamonds, e vá, okay, aprendemos algumas coisas interessantes sobre diamantes... Por exemplo que durante o corte e a polição se perde 50 a 60% do diamante...e pudémos ver este processo, que só pode ser levado a cabo com ferramentas cobertas em azeite e pó e fragmentos de diamante, devido à dureza extrema do mineral. Também ficámos a saber que a qualidade do diamante se avalia consoante os 4 “C”s, carat, colour, clarity e cut, sendo que 1 carat são 0,2 gramas – quantos mais melhor! E que um minúsculo diamante (tamanho de um quarto de um bago de arroz) pode ser polido de forma a ter 57 faces, que é o chamado “Amsterdam cut”.
O pior foi a parte das vendas...foram nos mostrar joias e diamantes prontos, e para isso falta me definitivamente um cromossoma. Secaaaa! Secaaa! Não quero diamantes...por favor nunca me ofereçam um, acho-os pirosos e a relação beleza-preço está completamente desequilibrada! Finalmente tivemos a feliz ideia de saír e ir beber o nosso “free drink” e de provar uma coisa, não free, que se chama “Stroopwafel”, uma espécie de waffel estaladiço recheado com creme de caramelo, que foi assim uma revelação, naquele momento chuvoso, e acompanhado de chá com leite. Foi pena é ter os Misters colados à perna, ou melhor, à Stoopwafel, que nem dois passarinhos de bico aberto, pois reduziu em 2/3 a quantidade por mim consumida. Mais tarde verificámos que em Amsterdam existe um McFlurry de Stroopwaffel que vale a pena provar, o que não significa que tenhamos ido ao McDonald’s, livra.
Posto isto, e eliminados muitos pormenores, quando acabámos a visita queriamos ir aos sítios que tinhamos achado mais interessantes, mas chovia a potes. Não fazia mal, afinal eu tinha acabado de comprar um pequeno e detestável guarda-chuva, - cujo cognome a partir daqui será mesmo só O Detestável, - e os misters tinham impermeáveis. Fizémo-nos à estrada, subestimendo completamente o efeito demoralizador da chuva quando o detestável se dobra e os impermeáveis perdem o im.
Não fomos ver a Anne Frankhuis, a casa de Anne Frank, onde ela escreveu o seu diário, e que também serve de espaço de exposição para todo o tipo de assuntos relacionados com a perseguição dos judeus e discriminação racial, pois custava caro e havia uma fila de centenas de pessoas, fica para uma próxima. O mesmo digo sobre o Rijksmuseum e o Van Gogh museum.
Tirámos as fotos da praxe em frente ao Schreierstoren, uma torre cujo nome é traduzido como “torre do choro”, “Schrei” sendo um grito, ou gemido, uma tradução que é fundamentada com o facto de ser ali que as mulheres choravam as partidas dos maridos para o mar, mas que no entanto é incorrecta, uma vez que o nome original era Schrayershoucktoren, torre da esquina apertada, sendo o nome actual não mais que uma abreviatura. Pouco romântico, eu sei.
E chovia. Procurámos abrigo no estaleiro velho, onde o Mr.Y despejou, pela 3ªvez, a água que se lhe acumulava nas mangas e o Mr. X esperou pacientemente que eu lhe prendesse o cabelo ensopado com um gancho. “Devia-me rebolar nas poças para uniformizar as manchas” concluiu o Mr. Y com alguma secura, e olhando para a sua linda figura. Mais vale humor, que um tumor.
O moínho era longe, apesar de no quentinho do autocarro não o ter aparentado, mas tivemos oportunidade de observar a arquitectura holandesa em alguns bairros mais residenciais, as casas muito estreitas, tal como no nosso albergue, que tinha umas escadas de tal forma escarpadas que fazia de nós uma espécie de quadrúpedes arfantes, e isto ainda sem efeito de drogas ou outras substâncias. Mamãs, notem a formulação. É por estas características arquitectónicas que todas as casas são equipadas com uma roldana no topo, que serve para içar as mobílias para os andares de cima, de forma a entrarem pelas janelas. Curioso, heim?
A dada altura estavamos encharcados, já não era só molhados, era encharcados mesmo. A água tinha-nos subido até aos joelhos, pelas fibras das calças, as mãos do Mr. X estavam transparentes e gélidas, as do Mr.Y quentes na mesma – injusto – e eu acabei por pronunciar a frase mais improvável de toda a viagem, sentidamente: “Chega de monumentos. Vamos tomar banho e metemo-nos no coffee-shop mais próximo e só saímos de lá para ir às putas.” Quatro olhinhos luziram, levei palmadas fortíssimas nas costas, e fui arrastada em dirrecção a casa sob urros de “Tá dito, tá dito”.

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São 10:00h da manhã e acabei de acordar no nosso pequeno apartamento num primeiro andar de uma casa estreita, em Amsterdam, mesmo no meio do redlight district. A cama fica ao mesmo nível que a janela, e se me ajoelhar consigo espreitar para a rua abaixo. Estou com o cabelo em alvoroço, uma massa de ondas e enleios loiros que se recusam a caír sedosamente optando por cascatear selváticamente por cima dos meus ombros. Ainda não me maquilhei, e se dirigir o olhar para baixo olho directamente para dentro de uma das famosas montras, na qual a luz neon vermelha ainda arde. Está uma prostituta lá dentro, vestida a rigor. Sapatos pretos de salto de agulha, cabelo liso, preto, pelo queixo. Tão perfeito que pode bem ser uma peruca. Um fatinho de latex, ligas e rendas que lhe apertam os seios voluminosos. Deve ser pouco mais velha que eu.

O que pensas, miúda? O que pensas dia 10 de Agosto, às 10 da manhã, quando os moradores da rua passam por ti sem olhar, com os sacos das compras pendurados no guiador da bicicleta e o jornal no cesto...? A rapariga encosta-se a um banco, e folheia uma revista. Escreve uma mensagem num pequeno telemóvel cor-de-rosa. Consigo seguir o trajecto rápido dos dedos dela, com as longas unhas de gel brancas, que percorrem o teclado. O que escreves, miúda? Envias mensagens para as tuas amigas? Ou para um namorado? Ele sabe onde trabalhas?

Sinto-me estranhamente Naïv. Em contraste absoluto com a rapariga no réd-do-chão do outro lado da rua. Seis metros físicos, mas por outro lado um milhão de quilómetros.

A miúda olha para cima, e os nossos olhares cruzam-se por alguns segundos. Ela não desolha, mas também não sorri, como as raparigas pelas quais passámos ontem à noite, que se metiam connosco por sermos um trio invulgar. Não sorri, e o olhar parece-me de ressentimento ligeiro, ou de desafio. Como se tivesse vontade de me perguntar o que é que eu lhe quero, e se não tenho nada melhor que fazer. Deixo caír a cortina, como que apanhada em flagrante. Não sei porque é que me sinto embaraçada, afinal, não sou eu que estou atrás de um vidro em roupas eróticas. Se eu quiser, hoje não me maquilho. Se eu quiser, hoje não sorrio a ninguém.

Acabou de entrar o Mr.X, e contra os meus princípios recém encontrados, sorrio-lhe.
Ele sorri também. Traz o cabelo comprido molhado, a escorrer água, e não está a pensar nada de mais profundo do que “Estamos atrasados!”.
Volto a abrir uma nesga de cortina, e espreito. A prostituta desapareceu.



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E estava quase no fim a nossa estadia nesta cidade orgulhosamente louca. Nesta cidade propositadamente louca, em que a loucura toma formas quase forçadas. Faltava nos somente ouvir as reclamações do dono do albergue, que nos pediu para não estendermos roupa à janela – sim, pode ser fumar ganzas mas não se pode estender uma camisa a secar – e comprar os bilhetes para Paris.

Na sala de espera da estação, com 70 números à nossa frente, encontrámos tempo para descansar, mas só de olhos abertos! Sim, as regras não se limitam à roupa à janela, uma megera cinquentona de olhar venenoso veio buzinar-nos aos ouvidos que o Mr.X não podia estar a dormir ali. Só nos deu vontade de responder uma data de coisas inapropriadas, como “Vá acordar aqueles bebés ali, então!”, “Mas só estou a descansar os olhos”, “Vá arranjar uma vida ou qualquer outra coisa que a preencha, piiiiii, piiiiii” mas contivemo-nos. Colocámos os meus óculos fantásticos no Mr.X, pois atrás deles ninguém saberia se ele dorme ou não, mas até tinhamos perdido o sono. Os meus óculos fantásticos são daquelas coisas que só se podem usar fora do nosso país natal, ou se nos chamarmos Luisa e não nos importarmos de as pessoas cortarem relações connosco.
São gigantes, uma paródia daqueles monstros que estão na moda, e que geralmente são usados por raparigas de cabelos escuros muito lisos, não sei porquê - dá me ideia que as loiras vão mais para os modelos ray-ban clássicos (melhor gosto, obviamente, harharhar) - e que fazem as donas parecer insectos estranhos, só que os meus são ainda maiores, e cor-de-rosa! Não é lindo?

Finalmente chegou a nossa vez, o número mudou, e nós erguemo-nos, cobrimos os 10 metros que nos separavam do guichet, e quando lá chegámos ouvimos “o número já mudou, não estavam cá, temos pena”. WTF??? Perdi a pachorra assim toda de uma vez, mas hoje era o dia mundial das prvalhonas, tinham nas soltado sobre o público geral, ou quê?? Rosnei ao Mr.Y que tratasse da coisa porque eu não iria conseguir manter a boa educação, e retirei-me, para ouvir: “Os comboios para Paris estão esgotados nos próximos 3 dias, azarinho, nunca lá chegarão”. Mesmo.

Kusjes,
Ms.Sophieskje

2 comentários:

  1. os meus óculos não são ray-ban que tens contra as morenas? grrrrr só por causa disso se não vais a Paris, fecha os olhos e imagina e escreve aqui que dá la meme choose, queijo, vinho, bolachas de água e sal sentados na ponte sobre o Sena, ou se calhar não... com esses gatos pingados talvez mais sexo e coffee shops? Quero mais!

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  2. Hahaha, adoro o pessoal a enfiar as carapuças! Tu és uma morena liiiinda, such a good girl!! Click! (Mousse)

    Eu de Paris tenho seis folhas de apontamentos, até tenho medo de lhes mexer...:-S E eles a partir de Amesterdão já não tiveream direito a mais sexo, (pelo menos daquele que se paga, de resto fala com eles, que não é da minha jurisdição, lol), mas já verão, já verão, deixem-me só adiantar a tradução um bocadinho!

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